TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

738 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL G. Permitir que determinadas instituições de saúde tributem os serviços que prestam no âmbito dos cuidados de saúde aos cidadãos em geral, sujeitando-os a imposto é permitir uma violação clara e grosseira do princípio da igualdade na sua vertente de não discriminação, que a Constituição não consente, face aos outros estabe- lecimentos públicos congéneres que isentam de imposto, com carácter de obrigatoriedade, a prestação dos mesmos serviços. H. Quem recorre aos serviços de uma instituição privada de saúde e tenha que suportar IVA na sua obtenção depara-se com uma clara discriminação face à aquisição dos mesmos serviços por quem recorra a um estabe- lecimento público de saúde – a proteção do seu direito à saúde é discriminada porquanto tem de suportar o imposto que onera esses serviços. I. O princípio da igualdade e da não discriminação que reputamos estar a ser violado deverá, portanto, ser afe- rido em função do bem jurídico que as normas a que se reporta esta matéria quiseram salvaguardar, ou seja, o direito à saúde. J. Por outro lado, quando o Acórdão recorrido apela ao princípio da neutralidade, viola também, por esta via, o princípio da igualdade entendido na sua vertente de realização da própria justiça. K. Pois que, ou afloramos o princípio da neutralidade na perspetiva objetiva da prestação dos serviços de saúde, já que umas serão obrigatoriamente isentas, se levadas a cabo por organismos públicos ou instituições pri- vadas integradas no sistema nacional de saúde, ou sujeitas a imposto, se levadas a cabo por organismos que podem renunciar à isenção; e, nesta vertente, tal princípio é manifestamente violado e reconduz-se à violação do princípio constitucional da igualdade por interferir claramente na escolha dos consumidores – os doentes; ou, o perspetivamos como se faz no Acórdão recorrido, no sentido estrito do funcionamento do imposto, e também neste aspeto temos de concluir que não ocorre a mínima violação do referido princípio, já que tais serviços ocorrem na última fase do circuito económico. L. Permitir o direito à renúncia é que, em nosso entender, viola tal princípio perspetivado quer face ao universo dos consumidores (doentes), quer face ao universo dos operadores económicos – prestadores de serviços, por haver uma clara distorção de concorrência entre eles, libertando-se uns dos custos relativos ao imposto, liberdade esta obrigatoriamente vedada a outros pela obrigatoriedade da isenção. M. Na verdade, só há quebra do princípio da neutralidade quando se interrompe a cadeia das deduções e por essa via se distorce a concorrência entre operadores económicos. N. No caso concreto, não há quebra do direito à dedução por duas ordens de razão: tais prestações de serviços são realizadas a pessoas singulares não sujeitos passivos do imposto e, mesmo que assim não ocorresse, são prestadas na última fase do circuito económico. O. Logo, os efeitos deletérios da isenção não se verificam, já que este tipo de prestações de serviços ocorre na fase final do processo produtivo, não provocando por esse facto qualquer interrupção na cadeia de deduções. P. Nesta asserção, ao contrário do que é defendido na Acórdão recorrido quando se opta pela renúncia à isenção, poder-se-á falar numa falta de neutralidade provocada pelo facto de uns estarem isentos (obrigatoriamente isentos, sem possibilidade de renúncia) e outros não-isentos porque renunciaram à isenção e, por essa via, pode haver uma clara distorção de concorrência, atendendo ao facto de uns operadores poderem libertar-se do imposto que onera os seus inputs e outros terem que refletir tal imposto no custo dos serviços que prestam. Q. Haverá, pois, uma falta de neutralidade entre os operadores económicos que prestam serviços na área da pro- teção da saúde, falta que, em última instância, se manifesta numa clara discriminação face aos consumidores finais deste tipo de serviços (os doentes). R. Tal discriminação será ainda mais evidente se tivermos em conta que estes operadores económicos, como é o caso da Requerente a que se reporta o Acórdão arbitral em apreço, estabelecem acordos com o Estado e, por essa via, obtêm parte do financiamento necessário à prestação desses serviços. S. Por outro lado, se considerarmos as prestações de serviços encaradas pelo lado do adquirente (doente-particu- lar), viola-se o princípio da igualdade/não discriminação porquanto as mesmas prestações de serviços estarão nuns casos sujeitas a imposto e, noutros casos, isentas.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=