TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

740 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL HH. Caso se entendesse diferentemente, então as partes, ainda que objetivamente prejudicadas pela utilização de um critério normativo que reputam inconstitucional, como tempestivamente invocaram no processo, nunca poderiam chamar o Tribunal Constitucional à resolução do litígio. II. O que resultaria, para a parte vencida na questão da constitucionalidade numa restrição infundada, ilegítima e discriminatória ao direito de recurso, em violação ao Princípio da tutela jurisdicional efetiva, inerente à ideia de Estado de Direito. JJ. Ao que acresce que, tal entendimento, a vingar, redundaria, em termos de sistema, numa inadmissível restri- ção ao exercício das competências próprias do Tribunal Constitucional enquanto guardião da conformidade das normas infraconstitucionais com as normas e princípios da Lei Fundamental. Posto isto, KK. Conclui-se que deve ser apreciada pelo douto Tribunal a constitucionalidade e da legalidade da norma cons- tante do 3.º parágrafo do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), na inter- pretação que dela faz o Tribunal Arbitral, isto é, quando interpretada no sentido em que não existe um prin- cípio de obrigatoriedade de realizar o reenvio prejudicial quando não exista recurso jurisdicional de direito interno, como sucede com as decisões arbitrais. LL. Ao entender-se que o reenvio prejudicial não é, em princípio, obrigatório, como veio a ser propugnado pelo Tribunal Arbitral, está a violar-se o Princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, bem como o Princípio da Igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP. MM. Circunstância que se toma ainda mais flagrante quando, como no caso dos autos, o TJVE nunca se pro- nunciou sobre a questão em apreço, designadamente, sobre o conceito de U condições sociais análogas” para efeitos da obrigatoriedade da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea b) , da Diretiva IVA (ou seja, sem direito de renúncia à isenção) e essa questão é determinante para a solução jurídica do caso concreto, como, aliás, reconheceu o Tribunal Arbitral no Acórdão recorrido. NN. Com efeito, decorre expressamente do 3.º parágrafo do artigo 267.º do TFUE que sempre que uma questão de natureza comunitária seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao TJUE. OO. Visando-se, assim, evitar que se estabeleça em qualquer Estado-Membro uma jurisprudência nacional discor- dante das regras do direito da União Europeia. PP. O não reenvio prejudicial, em circunstâncias como as do caso concreto, implica, por conseguinte, que possa ser proferida uma decisão arbitral num litígio onde está em causa a interpretação de normas comunitárias relativas ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, sem que haja um controlo, em segundo grau de jurisdição, de tal decisão (do não reenvio prejudicial). QQ. Tal facto, a nosso ver, acarreta uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito previsto no artigo 20.º da CRP ainda mais grave se pensarmos que estamos no âmbito de uma jurisdição cuja regra é a irrecor- ribilidade das decisões. RR. A circunstância de a própria questão da obrigatoriedade do reenvio não poder ser reanalisada constitui uma restrição injustificada desadequada e desproporcional do acesso aos tribunais para a defesa de um direito e interesse legalmente protegido numa matéria em que está em causa o próprio interesse, constitucionalmente protegido, que as partes detêm na análise da interpretação do direito, realizada, neste caso, por um órgão jurisdicional da União Europeia. SS. O que poderá ter o efeito pernicioso de se permitir que se consolide na ordem jurídica nacional determinado entendimento sobre uma questão de direito comunitário que pode não ser consonante com o direito da União Europeia, perigando, assim também, o Princípio do Primado do Direito da União Europeia consagra- do no artigo 8.º, n.º 4, da CRP. TT. E ficando o TJUE, a quem incumbe garantir que a legislação da União Europeia é aplicada da mesma forma, irremediavelmente alheado da questão a dirimir, sem que a decisão do órgão jurisdicional a quo (de não reen- vio) possa ser judicialmente sindicada por qualquer uma das partes no litígio.

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