TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

742 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E. Como tal, não subjazem no acórdão recorrido qualquer um dos motivos elencados no artigo 25.º, do RJAT, para que – no que respeita especificamente ao suposto vício de inconstitucionalidade apontado ao artigo 267.º, do TFUE – a Recorrente pudesse vir agora apresentar recurso perante este Tribunal em torno deste tema. F. Não tendo a decisão recorrida aplicado (nem recusado aplicar), na sua ratio decidendi , qualquer norma do TFUE (e em particular o seu artigo 267.º) cujo vício de inconstitucionalidade tenha sido, em tempo e devida- mente, invocado pela Recorrente, não pode o recurso formulado pela Recorrente, nesta parte, ser conhecido por este Tribunal. G. Por outro lado, a Recorrente nunca comprovou, nem comprova nas suas alegações de recurso, como lhe com- petia, que a interpretação do artigo 12.º, n.º 1, alínea b) , do Código do IVA, efetuada pelo tribunal arbitral no acórdão recorrido viola o Direito à Saúde, consagrado no artigo 64.º, da CRP. H. Aliás, em face da própria doutrina citada pela Recorrente, o que se retira é que nada na CRP impede a existên- cia de um sistema de saúde privado e lucrativo (de que o Recorrido faz parte) que complemente a ação de um Serviço Nacional de Saúde público e tendencialmente gratuito. I. Na verdade, independentemente do regime de IVA que seja prosseguido por entidades públicas e privadas em relação às prestações de serviços conexas com a área da saúde (e das diferenças que possam existir entre as mes- mas, os cidadãos nacionais continuam a ver o seu direito à promoção e proteção da saúde assegurado, podendo livremente exercê-lo junto das unidades que melhor satisfizerem (em função do tempo, qualidade, custo, acesso a seguros de saúde privados, etc.) os seus interesses. J. Note-se que a atividade exercida pelo Recorrido rege-se por regras de funcionamento próprias que se revelam bastante distintas das que são seguidas pelos hospitais públicos, não se guiando aquela por qualquer espécie de luta concorrencial com estas entidades. K. Daí que não tenha sentido a ideia de que as unidades privadas de saúde (como é o caso do Recorrido), por terem estabelecido acordos com subsistemas de saúde público (mas que deles não dependam financeiramente), se inserem automaticamente (sem qualquer outro juízo de valor) no quadro do “sistema nacional de saúde” (e no conceito de “condições análogas às dos organismos públicos” firmado na Diretiva do IVA) e, consequente- mente ficam imediatamente impedidas (sem mais) de fruir da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 12.º, n.º 1, alínea b) , daquele Código (sob pena de haver lugar a uma discriminação inaceitável dos organismos públicos e a uma situação de concorrência desleal). L. Efetiva e objetivamente, há inúmeras diferenças no modus operandi entre as unidades do sector hospitalar público e o ora Recorrido, não sendo possível concluir que, do ponto de vista dos operadores económicos, haja qualquer tipo de distorção de concorrência ou concorrência desleal pelo facto deste último (mas já não as primeiras) poder legitimamente beneficiar do regime da renúncia à isenção do IVA consagrado no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) , do Código do IVA. M. O Recorrido exerce a sua atividade em condições de mercado, em concorrência direta com outros entes priva- dos de natureza comercial e viradas para o lucro, sendo bastante díspares, face aos hospitais públicos, todas as circunstâncias que estão inerentes à prossecução daquela atividade, tal como o perfil dos utentes, os preços e os métodos de formação de preços. N. De igual modo, e dadas as especificadas próprias das atividades dos hospitais públicos e privados, também não é possível concluir que, do ponto de vista dos utentes de serviços de saúde, os mesmos são discriminados ou veem a sua liberdade de escolha condicionada em função do regime de IVA que os estabelecimentos hospitalares em causa adotem. O. Nesse sentido, não tem cabimento a alusão do princípio da igualdade para justificar uma eventual inconstitu- cionalidade na interpretação do artigo 12.º, n.º 1, alínea b) , do Código do IVA, efetuada pelo tribunal arbitral no acórdão recorrido, na medida em que tal princípio apenas estabelece a necessidade de, perante situações iguais, haver lugar a um tratamento (legal, fiscal ou outro) igual. P. Ora, esse princípio, ao não se confundir com o igualitarismo, admite que situações distintas sejam objeto de um tratamento (fiscal e legal) diferenciado, como é o caso da comparação entre hospitais públicos e o Recorrido.

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