TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
75 acórdão n.º 464/19 equipamento, quando não dão suporte a uma concreta comunicação, ainda que protegidos pela reserva da vida privada, não estão abrangidos pela tutela do sigilo das comunicações. E é também o que acontece com o segmento ideal do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 que tem por objeto dados de tráfego que não envolvem comunicações intersubjetivas. De facto, a distinção que se faz no artigo 2.º dessa Lei, tendo por referência o conjunto de “dados previamente armazenados” pelos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, entre «dados de telecomunicações» e «dados de Internet », e dentro desta categoria, entre dados que dão suporte a uma comunicação e dados que não dão suporte a uma comu- nicação, acaba por refletir-se na determinação do parâmetro constitucional que protege o acesso a tais dados. Ainda que efetuada exclusivamente para efeitos dessa Lei, cujos preceitos não preveem um regime jurídico diferenciado para cada uma das referidas categorias, a distinção pode implicar que a legitimidade constitu- cional das normas de acesso seja aferida por diferentes parâmetros constitucionais, tendo por referência o âmbito de proteção definido para o artigo 34.º da Constituição, restringido à comunicação intersubjetiva e às suas circunstâncias ou elementos funcionais (por meio de telecomunicações ou internet ). A inclusão dos dados de internet , que não deem suporte a uma concreta comunicação intersubjetiva, no conceito de dados de tráfego pode convocar parâmetro constitucional distinto daquele com o qual se procede ao controlo da conformidade constitucional do acesso aos dados de tráfego das comunicações interpessoais efetuadas através de telecomunicações ou por outros meios de comunicação, se se considerar a jurisprudência do Acórdão n.º 403/15 quanto ao sentido e alcance do citado preceito constitucional. Como se referiu, o objeto de proteção do sigilo de comunicações, consagrado no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, reporta-se exclusivamente à interatividade entre utilizadores, possibilitada por meios como o correio eletrónico, o chat ou a videoconferência (utilizador-utilizador). Já os dados de internet tratados para outro tipo de interatividade, nomeadamente a do utilizador com o computador e os respetivos programas (de organização, pesquisa e seleção de informação) e a navegação intra e inter documentos publicados nas páginas web , estão fora do âmbito de proteção daquele preceito constitucional. Todavia, como o tratamento informático dessa categoria de dados permite identificar o nome, morada e outros dados de identificação do utilizador, os mesmos são considerados “dados pessoais” protegidos pelo artigo 35.º da Constituição. O n.º 2 deste artigo atribui à lei a definição do conceito de dados pessoais, o que foi feito na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro: «qualquer informação, de qual- quer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada direta ou indiretamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social». Portanto, a informação constante dos dados de tráfego, mesmo que separada de um processo de comunica- ção intersubjetiva, é considerada de caráter pessoal, pois permite identificar o respetivo titular. Subsiste assim, em relação a essa categoria específica de dados de tráfego, a pertinência na verificação da conformidade constitucional da norma à luz do direito fundamental à autodeterminação informativa, consagrado no artigo 35.º, n. os 1 e 4, da Constituição. Em consequência do exposto, a constitucionalidade das normas do artigo 3.º e de um segmento ideal do artigo 4.º – que regulam o acesso a dados pessoais que não envolvem comunicação intersubjetiva (dados de base, dados de localização e dados de tráfego, dissociados de um ato de comunicação, consumado ou tentado, entre duas pessoas) – terá de ser aferida à luz dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1, 3 e 4, da Constituição; enquanto o acesso àqueles dados de tráfego que envolvem comunicação entre pessoas (mensagens de correio eletrónico, chamadas de telemóvel, conversas por Voip , designadamente, Skype ou Whatsapp ) estará, na referida perspetiva, abrangido, desde logo (e sem prejuízo de também se tratar de dados pessoais tutelados nos termos dos citados artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1, 3 e 4), pelo âmbito de proteção do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição. Dada a especialidade da tutela dispensada por este último preceito, cumpre começar por fixar o respe- tivo sentido e alcance, tendo presente o decidido no Acórdão n.º 403/15.
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