TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

753 acórdão n.º 667/19 da atividade ou passar a ser sujeito passivo em termos normais (…) libertando-se do IVA que onera os seus inputs, reduzindo assim os custos fiscais da sua atividade» (n.º 31 das alegações). Ademais reconheceu a recorrente, nas contra-alegações produzidas junto do tribunal recorrido, que «se é verdade que o sistema de saúde público é “tendencialmente gratuito” (…) não é menos certo que são devidas taxas moderadoras pela sua utilização, cuja fixação do montante certamente terá em consideração os custos fiscais da atividade.» (cfr. fls. 1082 do processo digitalizado, Vol. III). Acresce que, como é sabido, embora os sujeitos passivos do IVA tenham o dever de proceder à repercus- são do imposto – aduzindo ao preço dos bens e serviços a importância do imposto liquidado (nos termos do artigo 37.º do Código do IVA) –, há que distinguir entre a «obrigação de repercussão formal, que constitui uma obrigação jurídica, e uma obrigação de repercussão material, que não pode ir além de uma obrigação natural. (…). É que, constituindo o IVA um imposto integrado no preço dos bens e das prestações de ser- viços e sendo este, por via de regra, fixado pelos mecanismos do mercado e não pelo Estado, o legislador não dispõe, nem pode dispor numa economia de mercado, de meios para assegurar a referida repercussão e conseguir, assim, que a importância do imposto não constitua custo de exploração das empresas.» (Casalta Nabais, José, Direito Fiscal, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 549). É, no entanto, igualmente certo que a celebração de protocolos com certas entidades e subsistemas de saúde públicos de saúde pode implicar a vinculação a tabelas de preços convencionadas ou pré-determinadas pelo Estado, ficando a unidade de saúde privada inibida de alterar livremente o preço dos serviços prestados em consequência da renúncia à isenção. No entanto, a norma que constitui objeto do presente recurso não se cinge a essa hipótese, pelo que fica por demonstrar que o agravamento dos custos para os utentes dos esta- belecimentos privados em causa constitua um efeito automático e inevitável da sua aplicação. Mas ainda que assim fosse, continuaria sem se perceber em que medida a norma impugnada poderá contender com o direito fundamental à proteção da saúde, na sua dimensão positiva de «direito a exigir do Estado a atividade e as prestações necessárias para salvaguardar a saúde e tratar as doenças» e de aceder, em condições de igualdade, ao «complexo de serviços, articulado e integrado» que deve ser o Serviço Nacional de Saúde (Acórdão n.º 39/84). Tal como entendeu este Tribunal no Acórdão n.º 731/95, «o texto constitucional não perfilhou um modelo de monopólio do sector público de prestação de cuidados de saúde – tendencialmente coincidente com o Serviço Nacional de Saúde –, antes admite a existência de um sector privado de prestação de cuida- dos de saúde em relação de complementaridade e até de concorrência com o sector público.» Admitindo-se a concorrência entre as unidades de saúde privadas e as unidades de saúde públicas, é ineliminável a diferen- ciação entre os utentes que recorrem a umas e a outras, designadamente no que respeita aos custos a suportar no acesso aos cuidados de saúde, para mais considerando que a Lei Fundamental impõe que o direito à proteção da saúde seja realizado através de um serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito [alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º]. Cabendo ao Estado zelar por que sejam assegurados, «nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade» [alínea d) do n.º 3 do artigo 64.º] e articular os sectores público e privado, poderá admitir-se que, em excecionais situações de carência de resposta pública adequada e oportuna, o direito à proteção da saúde compreenda o direito a exigir do Estado que proporcione o acesso «sem custos excessivos ao sistema não público de saúde» (vide a anotação de Rui Medeiros ao artigo 64.º in Miranda, Jorge/Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.ª edição revista, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 953). É, contudo, certo que deste preceito constitucional não decorre qualquer exigência quanto à fixação dos preços praticados pelas unidades privadas de saúde, que obrigue a impor uma proibição de renúncia à isenção do IVA. E havendo efetiva concorrência, subsiste intocada a liberdade dos utentes de optar por recorrer a unidades de saúde (públicas ou privadas) que prestam serviços isentos de IVA, ou de suportar o pagamento dos preços porventura mais elevados praticados pelos prestado- res de serviços de saúde que optaram por renunciar à isenção.

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