TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

756 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL testemunhas abonatórias em razão de um fator que se mostra injustificado em face do interesse (obje- tivo) na integridade probatória do processo penal; a circunstância de o artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redação dada pela Lei n.º 48/2007) se mostrar inconstitucional em razão da ofensa que causa à integridade probatória do processo penal implica necessariamente, quando se trate de testemunha arrolada pelo próprio arguido, a sua concomitante inconstitucionalidade por ofensa às garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., aquele tribunal, por decisão proferida em 25 de março de 2019, julgou o recurso interposto pelo então recorrente e arguido «totalmente procedente» e julgou «inconstitucional o primeiro segmento normativo do artigo 131.º/1 CPP, na parte em que determina taxativamente a incapacidade dos interditos por anomalia psíquica para depor em Processo Penal, normativo que assim se desaplica, por con- trário aos princípios do direito a uma justiça equitativa na vertente de procura da verdade material (artigos.º 20.º/4 CRP e 6.º CEDH) e da proibição do excesso, na restrição dos direitos, liberdades e garantias indivi- duais (artigo 18.º/2 CRP)». Por decisão proferida no âmbito dos mesmos autos, o filho do arguido, por si arrolado como testemu- nha, declarado interdito por anomalia psíquica, fora declarado incapaz para depor como testemunha, ao abrigo do disposto no referido preceito do Código de Processo Penal (CPP). O Ministério Público junto do tribunal recorrido pugnou pela concessão de provimento ao recurso do arguido. As assistentes, porém, consideraram que a jurisprudencial constitucional por este indicada em seu abono (fundamentalmente, o Acórdão n.º 359/11), se refere apenas a casos em que a testemunha é ofendida e assistente, em contraste com o que sucedia no caso dos autos. O tribunal recorrido decidiu na linha da primeira posição referida, apresentando para tanto, no essen- cial, a seguinte fundamentação: «Dispõe o art.º 131.º/1 CPP, que “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei”. Ou seja: determina a lei em abstrato e independentemente do caso concreto, que os interditos por anomalia psíquica não têm capacidade para depor, em Processo Penal. É o que sucede no caso dos autos. Decorre com efeito, de fls. 88/90 (sentença em Ação de Interdição), que a testemunha sofre de Perturbação Global do Desenvolvimento, compatível com Síndrome de Asperger, pelo que foi declarada interdita por anomalia psíquica. Decorre ainda da fundamentação de facto da sentença, que a mesma tem um grau de incapacidade multiuso permanente global de 60% (sessenta por cento). Sabe-se que fundamento da interdição por anomalia psíquica é o facto de a pessoa se mostrar incapaz de se gerir a si própria e seus bens (art.º 138.º/1 C.C.). Ora e logo à partida, esta incapacidade é diferente da capacidade para depor, isto é, para fazer um relato de algo que viu, com objetividade e segurança. Ou seja: alguém pode ser incapaz de se autorreger, mas capaz de referir de forma verdadeira algo a que assistiu.

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