TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

760 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sobre o conhecimento de recursos de constitucionalidade a si respeitantes, inutilizando-os [cf. v. g. o Acórdão n.º 426/18, quanto à fiscalização abstrata, e o Acórdão n.º 281/10, quanto à fiscalização concreta e, mais especificamente, à fiscalização requerida ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como acontece com o recurso aqui em apreço], no presente caso impõe-se conhecer o objeto do recurso. 5. Constitui, pois, objeto do presente recurso a norma extraída do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Pro- cesso Penal, na redação conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual só tem capacidade para ser testemunha num processo penal uma pessoa que não se encontre interdita por anomalia psíquica. OTribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se sobre distintas dimensões normativas daquele preceito, tendo sempre concluído no sentido da respetiva inconstitucionalidade. 5.1. Assim, no Acórdão n.º 359/11, o Tribunal jugou inconstitucional, «por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 131.º, n.º 1, aplicável por remissão do artigo 145.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal (CPP), quando interpre- tada no sentido de determinar a incapacidade para prestar declarações em audiência de julgamento da pessoa que, tendo no processo a condição de ofendido, constituído assistente, está interdita por anomalia psíquica». Apresentou aí o Tribunal Constitucional, essencialmente, a seguinte fundamentação: «(…) A proibição absoluta das pessoas interditas, por padecerem de anomalia psíquica, deporem como testemunhas foi introduzida no processo penal pelo CPP de 1929 (artigo 216.º, 1.º). Até aí, se os “desassisados” eram considerados inábeis para depor, por incapacidade natural (artigo 2510.º, do Código Civil de 1867, aplicável ao processo penal por remissão do artigo 969.º, da Novíssima Reforma Judiciária, e anteriormente o § 5, do título LVI, do Livro III, das Ordenações Filipinas), essa “falta de siso” era apurada através da avaliação do juiz perante quem fossem apresentados para depor, e não de uma qualquer anterior declaração judicial de interdição da testemunha para reger a sua pessoa e bens. A solução do CPP de 1929 foi copiada no processo civil pelo Código de Processo Civil de 1939 (artigo 623.º), o qual alterou o regime que anteriormente constava dos artigos 2506.º e seguintes do Código Civil de 1867. Tal opção foi, no seu início, objeto de críticas, apontando-se o facto da interdição ser um instituto que se destinava a proteger os dementes, enquanto a proibição do seu depoimento em processo judicial visava proteger as partes e a administração da justiça, e ainda a circunstância do tipo ou do nível de demência dos interditos poder não os tornar inaptos para depor (…). Contudo, a solução adotada, que se revela desacompanhada no direito comparado, foi-se mantendo no nosso regime processual, constando hoje dos artigos 131.º, n.º 1, do CPP, e 616.º, do CPC. Por outro lado, o nosso sistema processual penal não deixou de conferir à vítima um papel relevante no exercí- cio da justiça penal, facultando-lhe uma intervenção ativa no processo, no cumprimento da imposição constante do artigo 32.º, n.º 7, da Constituição (…). Essa participação está dependente da sua constituição como assistente no processo (artigos 68.º e 69.º, do CPP), passando a ser encarada como um verdadeiro sujeito processual (vide Figueiredo Dias, em “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo penal”, em Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal , p. 9-10, da ed. de 1988, da Almedina). E se esta condição impede os ofendidos de serem testemunhas [artigo 133.º, n.º 1, alínea b) , do CPP], não deixa de lhes assistir o direito, e de sobre elas recair também o dever, de prestarem declarações sobre o objeto do processo, as quais apesar de não serem precedidas de juramento, não deixam de estar sujeitas ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (artigo 145.º, n.º 1, 3 e 4, do CPP), sendo o seu conteúdo submetido à livre apreciação do julgador (artigo 127.º, do CPP). Atenta a proximidade destas declarações com o depoimento testemunhal, não deixou o legislador de regu- lamentar a sua prestação, remetendo para o regime da prestação da prova testemunhal (artigo 145.º, n.º 3, do

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