TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

761 acórdão n.º 669/19 CPP), tendo a decisão recorrida considerado abrangida por essa remissão a acima referida proibição da audição das pessoas que se encontrassem interditas, por anomalia psíquica, consideradas pelo n.º 1, do artigo 131.º, do CPP, como absolutamente incapazes para testemunhar. A opção de aproveitamento das sentenças civis de interdição visou conferir uma maior certeza sobre qual o uni- verso de pessoas consideradas incapazes de prestarem declarações em processo penal, devido a sofrerem de anomalia psíquica, retirando ao julgamento incerto, difícil e casuístico do julgador essa apreciação, nesses casos, mantendo- -se, contudo, uma margem de liberdade de apreciação, na verificação da aptidão mental de qualquer pessoa que não se encontre interdita, para prestar testemunho, nos termos do n.º 2, do artigo 131.º, do CPP. Na lógica da solução adotada, uma declaração judicial de interdição traduz um juízo seguro sobre a incapaci- dade do interdito em poder contribuir de algum modo para o esclarecimento da verdade dos factos em tribunal, pelo que este não deve sequer ser admitido a prestar depoimento, não se permitindo que o julgador possa verificar, casuisticamente, a sua aptidão mental para depor, a fim de avaliar da sua credibilidade. [D]a interdição Para melhor ajuizarmos sobre a constitucionalidade da norma sob fiscalização importa conhecer o instituto da interdição no direito português. (…) Da interdição decorrem limitações quanto à capacidade de gozo, as quais podem repartir-se em dois grupos: um deles, respeitante à interdição com origem em anomalia psíquica e o outro, respeitante à interdição resultante das restantes causas. São mais importantes as limitações à incapacidade dos interditos incluídos no primeiro grupo. Assim, os interditos por anomalia psíquica não podem casar [artigo 1601.º, alínea b) , do Código Civil], não podem perfilhar (artigo 1850.º, n.º 1, do citado Código), não podem testar [artigo 2189.º, alínea b) , do Código Civil] e estão inibidos de pleno direito das responsabilidades parentais [artigo 1913.º, n.º 1, alínea b) , do mesmo Código]. Já os interditos pelas demais causas não sofrem de qualquer destas limitações, sendo que, relativamente ao poder paternal, a inibição do seu exercício é apenas parcial, nos termos estatuídos no n.º 2 do artigo 1913.º do Código Civil. No que respeita à capacidade de exercício de direitos por parte dos interditos, o seu âmbito é moldado a partir da incapacidade do menor, conforme resulta do artigo 139.º do Código Civil. Assim, é aplicável ao interdito o disposto, quanto ao menor, no artigo 123.º do Código Civil, sofrendo, consequentemente, o interdito de inca- pacidade genérica de exercício, colocando-se apenas a questão de saber se essa incapacidade comporta exceções, nomeadamente, por aplicação, aos interditos, do regime do artigo 127.º do Código Civil (…). Mas a existência de uma anomalia psíquica só é motivo de interdição se for causa de uma incapacidade para prover aos interesses pessoais, funcionando este último requisito como o padrão de avaliação da necessidade de se decretar a interdição. (…). E este juízo já não é médico, mas sim jurídico, nele se refletindo inevitavelmente a tensão entre proteção e liberdade. Na verdade, na determinação da situação de incapacidade de uma pessoa para se autodeterminar e reger os seus bens não deixará de pesar o posicionamento sobre a hierarquização daqueles valores. Em qualquer caso, a avaliação do grau de incapacidade do interditando é averiguada em termos estritamente individuais e deve ter como referência a qualidade dos seus interesses e a necessidade de a eles prover. E a incapacidade de atuar autonomamente, com esclarecimento, deve ser verificada não só na vertente patrimo- nial, mas também na vertente pessoal, pelo que interessarão todos os aspetos da vida do interditando que possam assumir expressão jurídica. Como se escreve no artigo 138.º, do Código Civil, o que está em causa é uma incapa- cidade de governar a sua pessoa e bens. Sendo múltiplos os aspetos da vida do interditando em que a incapacidade deve ser medida e tendo a decisão de interdição, na nossa ordem jurídica, efeitos fixos, previamente determinados na lei, o juízo que a ela preside é necessariamente global, nele assumindo uma maior influência aqueles domínios em que a incapacidade detetada pode prejudicar gravemente os interesses do interditando, pelos efeitos vinculativos dos atos que pratica, ou seja a área dos negócios jurídicos. Daí que o tratamento civilístico do incapaz no nosso Código Civil seja acusado, além do mais, de excessivamente negocialista.

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