TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

762 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL [D]o princípio da igualdade A decisão recorrida considerou que a interpretação sob fiscalização violava o princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição), por resultar num tratamento discriminatório das pessoas interditas, por anomalia psíquica. O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa, a dimensão da proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias, encontrando-se algumas destas exemplificadas no n.º 2, do artigo 13.º da Constituição. A proibição de discriminação constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Realce-se, no entanto, que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material. (…) No artigo 71.º, da Constituição, consagra-se um específico dever de igualdade, numa declinação do artigo 13.º, da Constituição, relativamente aos cidadãos portadores de deficiência física ou mental. Estes não podem ser privados da titularidade e do exercício dos direitos atribuídos à generalidade dos cidadãos, salvo aqueles para os quais a sua deficiência os incapacite. Daí que quaisquer restrições aos direitos dos cidadãos portadores de deficiência estejam sujeitas às exigências contidas nos n.º 2 e 3, do artigo 18.º, da Constituição, estando por isso sob o controle do princípio da proporcio- nalidade. Face a uma situação de incapacidade adveniente de uma deficiência, o legislador está obrigado à escolha das soluções menos gravosas e mais consentâneas com o respeito pelo princípio de que os cidadãos portadores de deficiência gozam plenamente de todos os direitos conferidos aos cidadãos em geral (…). Com este mesmo sentido foi aprovada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque em 30 de março de 2007 (…). Segundo a norma sob fiscalização, as pessoas que tenham sido interditas por sentença judicial estão absoluta- mente impedidas de prestar declarações, na qualidade de ofendidos constituídos assistentes, em audiência de jul- gamento em processo penal, relatando a sua versão sobre o modo como ocorreram os factos que integram o objeto do processo, sujeita à livre apreciação do julgador. Cria-se, assim, um estereótipo associado ao interdito por anomalia psíquica, fazendo decorrer da sua situação uma espécie de presunção inilidível de incapacidade para relatar os factos de que tenha sido vítima. Esta proibição traduz-se num tratamento desigual, não só relativamente aos cidadãos que não sofrem de qual- quer anomalia psíquica, mas também, em comparação com aqueles que, sofrendo dessa deficiência, não se encon- tram interditos, por sentença judicial, os quais, na qualidade de ofendidos que se constituíram assistentes em processo penal, têm direito a relatar a sua versão dos factos em julgamento, sujeita à livre valoração do julgador. E esta diferença de tratamento não resulta duma incapacidade efetiva dos interditos prestarem depoimento. Como acima se explicou, a declaração de interdição pressupõe apenas uma constatação judicial da incapacidade do interdito governar a sua pessoa e os seus bens, devido a uma anomalia psíquica, reportando-se esse juízo sobre- tudo a uma incapacidade daquele atuar com autonomia no mundo dos negócios jurídicos. Ora, a (in)capacidade para relatar determinada realidade com a qual se contactou, não só é frequentemente casuística, dependendo de múltiplos fatores como a sua complexidade, o tipo e as circunstâncias do contacto ou o tempo entretanto decorrido, sendo, no mínimo, problemática a emissão de um juízo genérico de incapacidade para testemunhar, como, sobretudo, o juízo que presidiu à prolacção de uma sentença de interdição é inaproveitável para se determinar a aptidão do interdito para prestar um depoimento credível em processo penal. Estamos perante um domínio das capacidades humanas que não assume qualquer relevância nos pressupostos da declaração de interdição, pelo que esta pouco ou nada revelará sobre a capacidade do interdito depor em tribunal. (…)

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