TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

764 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na sua grande parte, a fundamentação que se acaba de transcrever aplica-se a qualquer depoimento feito em processo penal, e não estritamente a depoimentos prestados por ofendidos. Bastará atentar nas seguin- tes passagens (sublinhados nossos): «E se esta condição impede os ofendidos de serem testemunhas [artigo 133.º, n.º 1, alínea b) , do CPP], não deixa de lhes assistir o direito, e de sobre elas recair também o dever, de prestarem declarações sobre o objeto do processo, as quais apesar de não serem precedidas de juramento, não deixam de estar sujeitas ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (artigo 145.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP), sendo o seu conteúdo submetido à livre apreciação do julgador (artigo 127.º do CPP). Atenta a proximidade destas declarações com o depoimento testemunhal, não deixou o legislador de regu- lamentar a sua prestação, remetendo para o regime da prestação da prova testemunhal (artigo 145.º, n.º 3, do CPP), tendo a decisão recorrida considerado abrangida por essa remissão a acima referida proibição da audição das pessoas que se encontrassem interditas, por anomalia psíquica, consideradas pelo n.º 1 do artigo 131.º do CPP, como absolutamente incapazes para testemunhar». É todavia notório que a fundamentação ali apresentada se desenvolveu por referência à específica situa- ção do ofendido ou vítima do crime, como denota, por exemplo, a afirmação de que se cria, deste modo, «um estereótipo associado ao interdito por anomalia psíquica, fazendo decorrer da sua situação uma espécie de presunção inilidível de incapacidade para relatar os factos de que tenha sido vítima». Mais especificamente ainda, o Tribunal debruçava-se ali sobre a situação de uma vítima que se houvesse constituído como assis- tente: «o nosso sistema processual penal não deixou de conferir à vítima um papel relevante no exercício da justiça penal, facultando-lhe uma intervenção ativa no processo, no cumprimento da imposição constante do artigo 32.º, n.º 7, da Constituição», participação essa se encontra «dependente da sua constituição como assistente no processo (artigos 68.º e 69.º do CPP)», através da qual passa a «ser encarada como um verda- deiro sujeito processual.» Não se trata, em rigor, da mesma questão que aqui nos ocupa. 5.2. Já no Acórdão n.º 396/17, esta mesma 3.ª Secção do Tribunal Constitucional teve a ocasião de pronunciar-se sobre o caso de um ofendido que se não constituíra como assistente no processo penal, onde se apresentava na qualidade de mera testemunha. Consta desse Acórdão a fundamentação seguinte: «7. Através do Acórdão n.º 359/11, este Tribunal julgou inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma, extraída do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – aplicável por remissão do artigo 145.º, n.º 3, do mesmo diploma –, que estabelece a incapacidade absoluta para prestar declara- ções em audiência de julgamento de pessoa que, tendo no processo a condição de ofendido, e tendo-se constituído assistente, está interdita por anomalia psíquica. Embora o objeto do presente recurso não coincida com o de tal decisão, na medida em que está agora em causa a capacidade de testemunhar de pessoa que, apesar de ter no processo a condição de ofendido, não se constituiu como assistente, são evidentes e numerosos os pontos de contacto entre as duas questões, razão pela qual se justifica reiterar alguns dos argumentos então apresentados pelo Tribunal.  (…) 9. [A] solução legal sob escrutínio destina-se essencialmente a prevenir o erro judicial na apreciação, quer da idoneidade para testemunhar das pessoas que padecem de anomalia psíquica, quer da credibilidade dos depoimen- tos dessas pessoas, no caso de lhes ser permitido que prestem testemunho. Presumindo que essa apreciação é intrinsecamente difícil – e, por essa razão, propensa ao erro – o legislador, através desta medida, terá tido em vista a tutela «do direito à prova, entendido numa dimensão objetiva, com o sentido de que o processo criminal e o interesse geral que o mesmo prossegue exigem mecanismos que propiciem a obtenção de uma prova tendencialmente genuína, apta a permitir a representação tão fidedigna quanto possível da verdade material.» (Acórdão n.º 291/17). Por outro lado, a incapacidade absoluta dos interditos por anomalia psíquica testemunharem constitui, ela própria, uma compressão do direito à prova, também aqui na vertente essencialmente objetiva de valor ou bem salvaguardado pela Constituição, na medida em que exclui a possibilidade de produção de prova testemunhal que

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