TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

765 acórdão n.º 669/19 poderia vir a revelar-se útil e até decisiva na descoberta da verdade. Tal restrição é particularmente significativa naquelas situações – como a do caso vertente – em que a incapacidade recai sobre a vítima. Em suma, em causa está uma medida de promoção de um bem, através de um meio lesivo desse mesmo bem – a integridade probatória do processo penal, refratária do direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) e do próprio princípio do Estado de direito (artigo 2.º). Com efeito, para prevenir a valoração de depoimentos com um valor probatório negativo – uma possibilidade inerente a um regime de livre apreciação da prova –, a lei exclui liminarmente todo um universo de depoimentos, o dos interditos por anomalia psíquica, que abrange um subconjunto mais ou menos alargado de casos de valor probatório positivo ─ uma implicação necessária de um regime de incapacidade absoluta. Os benefícios e os sacrifícios da medida incidem, pois, sobre o mesmo bem, o da integridade probatória do processo penal.    10. Não é comum os problemas de colisão de direitos ou de ponderação de bens com os quais a justiça cons- titucional é confrontada revestirem esta forma, por assim dizer, intra-axiológica; habitualmente, esses problemas dizem respeito à lesão de um bem com vista à promoção ou tutela de um bem diverso, pelo que revestem uma forma interaxiológica. E pode parecer que, nestes casos, o controlo da proporcionalidade da medida legislativa é impossível, porque não havendo qualquer colisão de direitos ou bens, não há lugar a qualquer ponderação. A bem ver, porém, a questão não se distingue substancialmente de outras típicas em que o Tribunal Consti- tucional é chamado a aplicar o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Este diz respeito, não à ponderação de bens em sentido estrito – à questão de saber se um determinado bem prevalece sobre outro –, mas ao controlo da proporcionalidade entre o fim valioso prosseguido pela medida legislativa e o meio sacrificial por ela imposto. Como reconhece, há muito, a jurisprudência constitucional (vide, por todos, o Acórdão n.º 187/01), o prin- cípio da proibição do excesso analisa-se em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade. O subprincípio da idoneidade determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor consti- tucional. O subprincípio da exigibilidade ou necessidade determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. Ora, nos casos em que o fim e o meio incidem sobre o mesmo bem, a questão que se coloca é a de saber se o meio lesivo é inepto, inexigível e desproporcionado para atingir o fim valioso. No caso vertente, trata-se de deter- minar se o sacrifício de depoimentos com valor probatório positivo de interditos por anomalia psíquica é um meio excessivo – por inepto, inexigível ou desproporcionado – para atingir a finalidade de excluir depoimentos com valor probatório negativo, em virtude da falta de idoneidade da testemunha ou de credibilidade do depoimento. 11. A aptidão da medida parece assegurada pela aparente convergência entre o pressuposto da interdição – a anomalia psíquica – e a inidoneidade para testemunhar. Como se afirmou no Acórdão n.º 359/11: «[n]a lógica da solução adotada, uma declaração judicial de interdição traduz um juízo seguro sobre a incapacidade do interdito em poder contribuir de algum modo para o esclarecimento da verdade dos factos em tribunal, pelo que este não deve sequer ser admitido a prestar depoimento, não se permitindo que o julgador possa verificar, casuisticamente, a sua aptidão mental para depor, a fim de avaliar da sua credibilidade.» Sucede que, como se demonstra no citado aresto, essa convergência não é real, porque o juízo em que se baseia a decisão de declarar a interdição tem fundamentos – a incapacidade do visado de reger a sua pessoa e bens –, e finalidades – a tutela dos interesses do próprio visado –, muito diversos das que presidem ao juízo relativo à ido- neidade para testemunhar. «(…).»

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