TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

766 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que daqui se retira é que a incapacidade absoluta dos interditos por anomalia psíquica de testemunharem em juízo não é um meio apto a eliminar a valoração de depoimentos sem valor probatório; não o é, porque não está assegurada a coincidência substancial entre os dois universos, o dos sujeitos abrangidos pela incapacidade e a daqueles que através dela se pretende atingir. Está claro que a divergência entre estes universos não é integral, e que, em virtude desse facto, não se pode afirmar que a medida é absolutamente inepta. Porém, basta que não seja essencialmente apta a atingir a finalidade a que se destina, para que seja considerada excessiva. Nenhuma lesão de um bem digno de tutela se pode justificar por um fim que, através dela, apenas acidentalmente se materializa. 12. A verificação da ineptidão ou inidoneidade da medida é suficiente para que a mesma seja excessiva e, conse- quentemente, inconstitucional. Por essa razão, não se justifica aplicar os restantes «testes» da proibição do excesso, os quais são cumulativamente exigíveis, no duplo sentido em se exige que uma medida legislativa não reprove em nenhum deles e em que, por necessidade lógica, todas as medidas que reprovam num teste precedente reprovam nos testes subsequentes – ou seja, uma medida inepta é, por implicação, desnecessária e desproporcional. Em todo o caso, sempre se dirá que, por mais generosa que seja a definição do subprincípio da idoneidade, ao ponto de se entender que o observa qualquer medida legislativa que não seja absolutamente inepta, a solução legal sob escrutínio não passaria, em caso algum, os testes da exigibilidade e da proporcionalidade. O primeiro, na medida em que não se pode aceitar como boa a presunção do legislador de que apreciar a idoneidade para testemunhar de pessoas que padecem de anomalia psíquica ou a credibilidade dos depoimentos dessas pessoas, excede as capacidades normais do poder judicial, tendo em conta aquilo que se exige do juiz num regime, como aquele que a própria lei consagra, de livre apreciação da prova (artigo 127.º, do Código de Processo Penal). Ora, não se aceitando tal presunção, é claro que o fim visado pela medida – a exclusão de depoimentos com valor probatório negativo – pode ser adequadamente assegurado através de um regime de incapacidade relativa, nos termos do qual a idoneidade para depor de testemunha que padece de anomalia psíquica é julgada em cada caso, atentas a natureza e o grau da anomalia psíquica e a natureza e pertinência do respetivo depoimento. De resto, é precisamente esse o regime consagrado, por exemplo, quer para os menores, quer para as pessoas que padecem de anomalia psíquica sem que tenham sido declaradas interditas, quer ainda para os interditos por outra razão que não a anomalia psíquica (artigo 131.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). O segundo, em virtude de que a modestíssima eficácia da medida na exclusão de depoimentos com valor pro- batório negativo não pode justificar o sacrifício de depoimentos com valor probatório positivo de interditos por anomalia psíquica, sobretudo quando se tate do próprio ofendido. (…) É certo que, não estando neste processo em causa um interesse probatório próprio do ofendido, em virtude do facto de este não ter exercido o seu direito a constituir-se assistente, a interdição do seu testemunho não atinge direta- mente nenhum direito subjetivo. O interesse lesado pela norma é de natureza objetiva – o valor ou bem da integridade probatória do processo penal –, sem prejuízo de se repercutir indiretamente, quer na esfera de outros sujeitos proces- suais que não o acusador público, nomeadamente quando esteja em causa o direito à prova destes, exercido através de faculdade de arrolar testemunhas, quer, ainda que remotamente, na esfera dos cidadãos que gozam dos bens jurídicos objeto de tutela penal. É por essa razão – a natureza essencialmente objetiva dos valores constitucionais relevantes –, que a questão que aqui se coloca não diz apenas respeito ao depoimento das vítimas, mas ao de qualquer pessoa declarada interdita em razão de anomalia psíquica. Porém, desonerado da carga semântica subjetiva, devida à forma específica como a questão de constitucionalidade então se lhe colocou, crê-se que o juízo de proporcionalidade feito pelo Tribunal no Acórdão n.º 359/11 é integralmente aplicável nos presentes autos. Conclui-se, pois, que a norma objeto do presente recurso é inconstitucional, por violação do princípio do pro- cesso equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), conjugado com o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).» Como pode verificar-se, através desta decisão o Tribunal Constitucional confirmou que a circunstân- cia de o indivíduo em questão não apresentar a qualidade formal de sujeito processual não afetava o juízo

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