TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

770 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL passar a consubstanciar um benefício específico da CGD e um prejuízo específico para os respetivos devedores. III - Coloca-se, assim, a questão de saber se o tratamento privilegiado da CGD relativamente aos demais credores, nomeadamente instituições de crédito, ou – o que é dizer o mesmo sob o ponto de vista simétrico – o tratamento prejudicial dos devedores da CGD relativamente aos demais devedores, nomeadamente os devedores de instituições de crédito, ofende o princípio da igualdade; trata-se de sindicar a racionalidade da vantagem de que goza a CGD e da desvantagem simétrica que sofrem os seus devedores, quando comparados com a classe geral dos credores e devedores, ou mesmo com a classe menos extensa das instituições de crédito e respetivos devedores. IV - O termo de comparação entre os dois regimes – o regime geral que não dispensa os créditos titulados por documentos particulares assinados pelo devedor de reconhecimento judicial através da ação decla- rativa e o regime especial que atribui força executiva a documentos em igualdade de circunstâncias que titulem créditos da CGD – não pode deixar de ser a idoneidade de tal documento como meio de acertamento do direito exequendo; a questão que se coloca nos presentes autos não se prende com a opção do legislador de, restringindo mais ou menos intensamente direitos fundamentais em matéria processual, atribuir força executiva a certa classe de títulos, abstraindo da qualidade dos respetivos sujeitos, prendendo-se antes com o facto, que releva do princípio da igualdade, de ter atribuído a títulos de determinado sujeito a força executiva que as regras gerais negam à generalidade dos títulos da mesma natureza; para que esta opção seja racional – para que não viole a proibição do arbítrio –, é necessário que se identifique uma qualidade do sujeito privilegiado pelo legislador em virtude da qual seja plausível afirmar-se que os documentos assinados pelo devedor que titulam os créditos daquele possuem uma vocação de acertamento diferenciada; ora, tal qualidade não parece existir. V - A solução legal contestada nos presentes autos tem a sua origem no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de abril de 1969, que aprovou um novo regime orgânico da então denominada Cai- xa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, definida no artigo 2.º como «uma pessoa coletiva de direito público»; entretanto, o Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, transformou a CGD numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com o propósito expresso de a colocar em igualdade de circunstâncias com as demais instituições de crédito que operam no sistema financeiro português; atenta a natureza que a lei então atribuiu à CGD, aproximando-a das demais instituições de crédito, submetendo-a a regras de direito privado e aplicando ao seu pessoal o regime do contrato individual de trabalho, nada justifica a conclusão de que os documentos abrangidos pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, possuem um grau diferenciado de idoneidade de acertamen- to dos créditos neles representados. VI - Decisivo para se determinar se a solução legal é arbitrária, não é a finalidade prosseguida pela CGD, mas a forma escolhida para o efeito; sob esse ponto de vista, nada distingue os documentos a que se refere o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, de documentos particulares homólo- gos detidos por outras instituições de crédito, e aos quais o legislador processual civil veio a negar, com a aprovação do «novo código», força executiva. VII - Os documentos aqui em causa carecem da força probatória que decorreria do reconhecimento de uma especial fé pública em que estivessem investidos os funcionários da CGD que os outorgam; para que se pudesse falar de fé pública – ou qualidade equivalente – seria indispensável que a mesma integrasse

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