TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

773 acórdão n.º 670/19 53. O parâmetro de constitucionalidade cuja violação é invocada é “o princípio da igualdade do artigo 13.º, n.º 1, da CRP (Constituição da República Portuguesa”. 54. Conforme tivemos ocasião de observar, a douta decisão impugnada constata a inconstitucionalidade mate- rial da interpretação normativa extraível do disposto no n.º 4, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, resultante da violação do princípio da igualdade, da verificação do tratamento discriminatório dos deve- dores da B., S.A., face aos devedores “doutras instituições de crédito que tenham celebrado contratos da mesma natureza” dos celebrados por aqueles. 55. Com efeito, conforme também já observáramos, os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela B., S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que a B. seja credora e estejam assinados pelo devedor beneficiam, dispensando o processo declarativo, da força executiva que não é reconhecida a idênticos documentos que titulem ato ou contrato celebrado por qualquer outra instituição bancária. 56. Ora este tratamento legislativo discriminatório resulta, para além do mais, de um específico contexto histórico-jurídico, qual seja, o de a B. ter constituído até 1993, ou seja, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, uma pessoa coletiva de direito público, o que justificava um tratamento legal especial no confronto com as instituições bancárias de direito privado, tendo passado, desde aquela data, a estar submetida, como estas, a um estatuto de direito privado. 57. Ora, a norma contida no n.º 4, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, que agora é contestada, parece configurar um resquício legal da anterior natureza jurídica da B., ao atribuir-lhe um privilégio que é negado às restantes instituições bancárias (e, bem assim, à generalidade das pessoas jurídicas) e que se mani- festa numa mais intensa oneração dos devedores que com ela negoceiem, em comparação com o que ocorre, em situações idênticas, com os devedores das restantes instituições financeiras. 58. Esta discriminação negativa, identificada pelo douto aresto impugnado, não pode, consequentemente, deixar de ser apreciada à luz da sua compatibilidade com o princípio constitucional da igualdade. 59. Ora, sem necessidade de excessivo aprofundamento, facilmente concluímos que, no caso que nos ocupa, perante situações da mesma categoria essencial – a existência de documento que, titulando ato ou contrato reali- zado por uma instituição bancária, preveja a existência de uma obrigação de que esta seja credora e esteja assinado pelo devedor –, decidiu o legislador conceder-lhes tratamento diferenciado, atribuindo força executiva, sem neces- sidade de quaisquer outras formalidades, àqueles em que a B., S.A., se apresenta como credora mas recusando tal prerrogativa a documentos idênticos que titulem créditos das demais instituições bancárias. 60. Face à verificação da ocorrência do descrito tratamento desigual de cidadãos, cumpre, ainda, apurar se tal desigualdade se apresenta destituída de justificação racional ou se, pelo contrário, evidencia uma qualquer funda- mentação razoável, objetiva e racional, que impeça qualificá-la como meramente arbitrária. 61. Ora, no caso que nos ocupa, ainda que nos guiemos por uma visão minimalista e obsoleta do conceito operativo do princípio da igualdade, deveremos concluir que a diferenciação contestada não se revela racionalmente compreen- sível, uma vez que não existe qualquer distinção entre os devedores da B. S.A., e os das restantes instituições bancárias, que a justifique, revelando-se, inapelavelmente, arbitrária e, consequentemente, inadmissível em Estado de Direito. 62. Isto é, esta diferenciação de tratamento e a norma jurídica que a sustenta tem que ser entendida como violadora do princípio constitucional da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 63. Aqui chegados, e concordando com o teor da douta decisão recorrida, ousamos, ainda assim, acrescentar um argumento adicional que visa, no essencial, reforçar a inferência alcançada. 64. Com efeito, a argumentação aduzida pelos Venerandos Desembargadores “a quo” preocupou-se com a perceção da compatibilidade constitucional da norma ínsita no n.º 4, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, na ótica da desigualdade criada entre os devedores da B., S.A., face aos devedores das restantes instituições bancárias. Todavia, a desigualdade identificada não pode deixar de ser considerada, igualmente, na perspetiva da comparação entre o tratamento privilegiado atribuído à B., S.A. no confronto com as restantes ins- tituições bancárias suas concorrentes no mercado financeiro e, consequentemente, da sua desconformidade com o princípio constitucional da igualdade.

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