TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

776 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «É conhecida a tendência verificada nas últimas décadas, com especial destaque para a reforma de 1995/1996, no sentido de reduzir os requisitos de exequibilidade dos documentos particulares e, com isso, permitir ao respetivo portador o imediato acesso à ação executiva. Se é certo que tal solução teve por efeito reduzir significativamente a instauração de ações declarativas, a experiência mostra que também implicou o aumento do risco de execuções injustas, risco esse potenciado pela circunstância de as últimas alterações legislativas terem permitido cada vez mais hipóteses de a execução se iniciar pela penhora de bens do executado, postergando-se o contraditório. Associando- -se a isto uma realidade que, embora estranha ao processo civil, não pode ser ignorada, como seja o funcionamento um tanto desregrado do crédito ao consumo, suportado em documentos vários cuja conjugação é invocada para suportar a instauração de ações executivas, é fácil perceber que a discussão não havida na ação declarativa (dispen- sada a pretexto da existência de título executivo) acabará por eclodir mais à frente, em sede de oposição à execução. Afigura-se incontroverso o nexo entre o progressivo aumento do elenco de títulos executivos e o aumento expo- nencial de execuções, a grande maioria das quais não antecedida de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório.» Com a alteração legislativa, a norma sindicada nos presentes autos deixou de constituir uma redundância, por conter uma solução individual substancialmente idêntica à solução geral de atribuir força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor, para passar a consubstanciar um benefício específico da B. e um prejuízo específico para os respetivos devedores. Coloca-se, assim, a questão de saber se o tratamento privi- legiado da B. relativamente aos demais credores, nomeadamente instituições de crédito, ou – o que é dizer o mesmo sob o ponto de vista simétrico – o tratamento prejudicial dos devedores da B. relativamente aos demais devedores, nomeadamente os devedores de instituições de crédito, ofende o princípio da igualdade. 7. Sobre o alcance do princípio geral da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legis- lativo, escreveu-se no Acórdão n.º 409/99: «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente dife- rente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fun- damentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.» Trata-se precisamente de sindicar a racionalidade da vantagem de que goza a B. e da desvantagem simétrica que sofrem os seus devedores, quando comparados com a classe geral dos credores e devedores, ou mesmo com a classe menos extensa das instituições de crédito e respetivos devedores. «Para responder a tal questão», afirmou-se no Acórdão n.º 195/17: «[É] indispensável que se determine qual o ponto de vista ou termo de comparação entre os sujeitos a trata- mento diferenciado pela norma sindicada. Uma distinção legal é racional se for ditada pela própria finalidade da lei; atente-se na distinção entre automóveis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação minimamente comensurável, com a ratio legis , como seria o caso se a lei fixasse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as situações diferenciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de acidentes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis é o conjunto das propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar

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