TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

777 acórdão n.º 670/19 danos em caso de acidente − contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor.» O termo de comparação entre os dois regimes – o regime geral que não dispensa os créditos titulados por documentos particulares assinados pelo devedor de reconhecimento judicial através da ação declarativa e o regime especial que atribui força executiva a documentos em igualdade de circunstâncias que titulem créditos da B. – não pode deixar de ser a idoneidade de tal documento como meio de acertamento do direito exequendo. Esta constitui a propriedade de um título em virtude da qual se pode concluir pela verosimi- lhança da situação jurídica nele documentada. A sentença condenatória é o título executivo paradigmático [artigo 703.º, n.º 1, alínea a) , do Código de Processo Civil], visto que a função essencial da ação declarativa é precisamente a de «acertar», «demonstrar» ou «verificar» a relação jurídica obrigacional, através de um pro- cesso de partes com igualdade de armas, decido por um terceiro imparcial cuja pronúncia, uma vez esgotadas as vias de recurso, faz caso julgado quanto ao objeto do litígio. O acertamento jurisdicional, como é bom de ver, constitui o ponto de chegada da ação declarativa e o ponto de partida da ação executiva. A atribuição de força executiva a títulos diversos de sentenças condenatórias, designadamente documen- tos exarados ou autenticados por notário ou títulos de crédito [alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil], baseia-se no juízo de o legislador de que aqueles possuem características tais que a situação jurídica neles documentada é verosímil ao ponto de justificar a dispensa do acertamento comum no processo declarativo. Por outras palavras, entende-se, nesses casos, que o sacrifício das garantias processuais que a ação declarativa confere ao devedor é compensado pela maior celeridade na satisfação dos créditos, sendo certo que o devedor tem a possibilidade – mitigadora do efeito restritivo do regime – de, através da oposição à execução, discutir a existência do direito exequendo num processo declarativo que corre por apenso à acção executiva. O legislador goza seguramente, em todo este domínio, de uma ampla margem de conformação política, que encontra o seu limite na proibição constitucional da restrição excessiva dos direi- tos a um processo equitativo e a tutela jurisdicional efetiva. Não é esta, porém, a questão que se coloca nos presentes autos. O problema de constitucionalidade identificado na decisão recorrida não se prende com a opção do legislador de, restringindo mais ou menos intensamente direitos fundamentais em matéria processual, atribuir força executiva a certa classe de títulos, abstraindo da qualidade dos respetivos sujeitos. Prende-se com o facto, que releva do princípio da igualdade, de ter atribuído a títulos de determinado sujeito a força executiva que as regras gerais negam à generalidade dos títulos da mesma natureza. Para que esta opção seja racional – para que não viole a proibição do arbítrio –, é necessário que se identifique uma qualidade do sujeito privilegiado pelo legislador em virtude da qual seja plausível afirmar-se que os documentos assinados pelo devedor que titulam os créditos daquele possuem uma vocação de acertamento diferenciada. Ora, tal qualidade não parece existir. Vejamos. 8. Como bem assinala o Ministério Público, a solução legal contestada nos presentes autos tem a sua ori- gem no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de abril de 1969, que aprovou um novo regime orgânico da então denominada B., Crédito e Previdência, definida no artigo 2.º como «uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, competindo-lhe o exer- cício das funções de instituto de crédito do Estado e a administração das instituições a que se referem os arti- gos 4.º [B. e Montepio de Servidores do Estado] e 5.º [Caixa Nacional de Crédito].» O artigo 3.º dispunha que, «[c]omo instituto de crédito do Estado, incumbe à B. colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvi- mento económico e social, na ação reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição seletiva do crédito.» E a respeito dos funcionários da B., preceituava o n.º 2 do artigo 31.º que, «[o] referido pessoal continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza

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