TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Desde logo, ela configura-se como uma garantia de sentido negativo, de inviolabilidade, que protege o indiví- duo de ingerências do Estado ou de terceiros. Neste contexto assume-se como um direito que garante ao respetivo titular posições jurídicas perante o Estado para defesa de abusos relativos à utilização dos dados em causa. Como correspondência desta garantia, cabe ao Estado um dever de não ingerência, de não agressão. Deste direito deriva, como já se referiu, não só a obrigação de princípio de não divulgar o conteúdo das comunicações privadas, mas também não aceder às circunstâncias em que as mesmas foram efetuadas. Por outro lado, a garantia de não ingerência pode, ainda, reclamar um correspondente dever a ações positi- vas por parte do Estado. Desde logo, a obrigação de o Estado adotar os instrumentos jurídicos necessários para manter a comunicação e seu circunstancialismo como “fechados” (nomeadamente, através da aprovação de leis destinadas à proteção dos dados de comunicação). Nesse sentido, o n.º 2 do artigo 26.º da CRP estabelece, preci- samente, uma obrigação legiferante, obrigando o legislador a estabelecer garantias contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações. Depois, através da efetivação do referido “direito ao apagamento” ou ao “bloqueio” dos dados de tráfego, que vai ínsito no direito à autodeterminação comunicativa, e no correspondente “direito ao esquecimento”. De facto, o direito à autodeterminação comunicativa tem, nos dias de hoje, e face à tendencial perenidade dos registos de dados, de passar pela imposição de limites temporais à conservação dos dados.» Em suma, o artigo 34.º da Constituição tem por propósito consagrar e proteger o direito fundamen- tal à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ou seja, e prima facie , a liberdade de manter uma esfera de privacidade e sigilo, livre de interferência e ingerência estadual, quer no que respeita ao domicílio, quer – sendo esta a dimensão relevante para o caso sub iudice – quanto à comunicação. É, aliás, entendi- mento doutrinal sedimentado que o âmbito de proteção da norma constitucional abrange todos os meios de comunicação individual e privada, e toda a espécie de correspondência entre pessoas, em suporte físico ou eletrónico, incluindo não apenas o conteúdo da correspondência, mas o tráfego como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização), excluindo-se apenas a categoria residual de dados pessoais, isolados de qualquer processo de comunicação, efetivo ou tentado. Partindo deste entendimento, cumpre delimitar negativamente o âmbito da regra consagrada no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, no sentido de excluir da proteção conferida pela norma todos os dados e todas as ações que não possam, verdadeiramente, qualificar-se como telecomunicação ou meio de comunica- ção pessoal. Por isso, o sigilo das telecomunicações «só vale para os autênticos dados de comunicação, isto é, aqueles que se reportam a ações de telecomunicação e são, como tais, protegidos contra a intromissão arbi- trária» (Manuel da Costa Andrade, “Comentário ao artigo 194.º do Código Penal”, ob. cit., 2012, p. 1103). Nestes termos, a área de tutela constitucional das telecomunicações comporta, ao lado de uma dimensão objetiva, uma indispensável dimensão subjetiva, na medida em que o ato comunicativo pressupõe sempre a existência de uma relação intersubjetiva, um contacto ou, pelo menos, uma tentativa de contacto entre pessoas. Assim, importará considerar que o n.º 4 do artigo 34.º da Constituição protege tanto o processo comu- nicativo quanto o conteúdo da comunicação, sempre que – mas apenas quando – esteja em causa um efetivo processo comunicativo. Ou seja, terá de ter havido, pelo menos por uma das partes, a consciência e a vontade de “participar na transmissão à distância de dados ou notícias”, mesmo que a comunicação não se tenha completado, por ausência ou rejeição de resposta pela outra parte. Posição semelhante encontra-se na doutrina e jurisprudência alemãs, a propósito do âmbito de proteção do artigo 10.º da Lei Fundamental: «Desenha-se aqui, no âmbito do Artigo 10.º, um nível diferenciado de proteção. O círculo mais estreito é constituído pelo núcleo essencial da privacidade, que é garantida não apenas dentro da habitação, mas também na comunicação à distância. De forma menos intensiva, mas tam- bém com um nível elevado de proteção, é protegido o conteúdo da comunicação, contra escutas, leituras ou outras formas de intromissão. No que respeita aos dados sobre as circunstâncias do processo comunicativo, designadamente, os dados de conexão, o Tribunal Constitucional federal enfatiza a importância da proteção
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