TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

785 acórdão n.º 680/19 5. Deste enunciado resulta, necessariamente, que um terço dos titulares do direito à herança, independen- temente da proporção das suas quotas, pode ver-se impedido de influenciar ou, sequer, de se pronunciar sobre a questão fundamental da composição dos quinhões hereditários e, consequentemente, ver-se arredado da decisão sobre a essência dos objectos substantivo e adjectivo do processo, nos quais é evidente interessado. 6. Efectivamente, esta solução legal que se afasta da anteriormente vigente, que se acolhia no n.º 1, do artigo 1353.º do Código de Processo Civil, e que, relativamente ao mesmo acervo de matérias, impunha a regra da unanimidade, veio criar um regime jurídico que propicia que, sob o pretexto da promoção das simplificação e celeridade, uma parte dos herdeiros se conluiem para afastar os restantes das decisões sobre a composição dos qui- nhões, negando-lhes, assim, qualquer possibilidade de se pronunciar sobre o objecto processual e de influenciar o veredicto final do pleito. 7. Aceitando que a norma constante do n.º 1, do artigo 48.º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, constrange, inegavelmente, dimensões daqueles princípios, optamos, contudo, por confrontá-la com o princípio constitucional do direito a um processo equitativo (designadamente nas suas dimensões dos direitos de defesa e do princípio do contraditório), plasmado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, cuja violação se nos afigura mais ostensiva e a aplicabilidade, no caso vertente, mais pertinente. 8. Ora, amparando-nos em contributos doutrinários e jurisprudenciais transcritos nesta alegação e que exem- plificam o entendimento juridicamente predominante sobre esta temática, não podemos deixar de constatar que a norma (rigorosamente, normas) ínsita no n.º 1, do artigo 48.º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, ao propiciar que o eventual pacto entre, pelo menos, dois terços dos titulares do direito à herança (independente- mente da proporção das suas quotas), permita excluir os restantes herdeiros das decisões atinentes à composição dos quinhões, sonegando-lhes o poder de expor as suas razões de facto e de direito perante o tribunal previamente à tomada da sua decisão, impedindo-os, assim, de exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo e colocando-os, por isso mesmo, numa posição processual (e, tendencialmente, material) desfavorável quando cote- jada com a titulada pela maioria, revela, à saciedade, a sua desconformidade com o conteúdo do princípio do pro- cesso equitativo – do due process of law – sediado no n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa. 9. Acresce que, a norma aqui contestada, para além de se afirmar, após abordagem perfunctória, violadora do, mais abrangente, princípio da equitatividade, revela-se, igualmente, quando confrontada com a estrutura complexa deste princípio e, bem assim, com as suas decorrências jurídico-constitucionais, violadora, pelo menos, dos seus sub-princípios do direito de defesa e do direito ao contraditório. 10. Com efeito, a referida norma, ao impossibilitar, conforme já apurámos, que, pelo menos uma das partes, possa, antes da prolação de decisão sobre a composição dos quinhões, invocar as razões que, de facto e de direito, lhe assistem e, mais gravemente, ao permitir que uma maioria de dois terços dos herdeiros (que podem não repre- sentar a maioria das quotas hereditárias) decidam, entre si, sobre a composição dos quinhões de todos os herdeiros, excluindo dessa decisão (por lhes sonegar o poder para tanto) os restantes herdeiros, contradiz, directamente, o direito constitucional – que dimana do princípio da equitatividade – à defesa e ao exercício do contraditório, uma vez que lhes nega a garantia da “participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa”. 11. Consequentemente, não poderemos deixar de concluir que, revelando-se a norma ínsita no n.º 1, do artigo 48.º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, susceptível de negar à minoria dos herdeiros, em sede de con- ferência preparatória, o poder de decidir sobre a composição dos quinhões, entregando-o, exclusivamente, a uma maioria de, pelo menos, dois terços dos titulares do direito à herança, tal norma viola o princípio do direito a um processo equitativo sediado no n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, nas suas dimensões do direito de defesa e do princípio do contraditório. 12. Atento o explanado, cumpre-nos sustentar a inconstitucionalidade material da norma contida no artigo 48.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, no segmento em que permite que seja tomada deliberação por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança

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