TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

787 acórdão n.º 680/19  H. O Ministério Público – para quem a solução normativa consagrada pelo legislador ordinário no n.º 1, do artigo 48.º, do RJPI, sustenta uma “situação evidentemente iníqua” (realce nosso) – vem, nas suas doutas Alegações, secundar-se no entendimento expresso pelo Juiz de Direito Joel Timóteo Ramos Pereira, no e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, sob o título “Novo Processo de Inventário – Guia Prático”, onde se defende que “(...) este regime, no que se refere à sucessão legitimária, pode constituir uma violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima. Ou seja, aquilo que a lei veda ao autor da sucessão – que é a possibilidade de designar os bens que devam preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário (cfr. artigos 2163.º do Código Civil), – passará a ser possível aos co-herdeiros, desde que representem dois terços da herança”.  I. O Princípio da Intangibilidade da Legítima tem, no seu cerne, o propósito de defesa do herdeiro legitimário, impedindo que o preenchimento da legítima se faça contra a sua vontade.  J. Em comentário ao artigo 2163.º do Código Civil – Anotado – Volume VI, referem Pires de Lima e Antunes Varela, que “Na dupla proibição do artigo 2163.º, a vontade que se protege, contra a tentação autoritarista do de cuius, no sentido de fixar concretamente o conteúdo da legítima, é a do herdeiro legitimário. ” (itálico nosso).  K. Prosseguem os Autores, referindo que “ A proibição da imposição de encargos à legítima e da concretização dos bens (móveis ou imóveis) que a devam compor, é, pois, uma consequência da própria natureza da legítima, tal como a lei portuguesa a concebe, visto que os encargos importariam uma diminuição do valor dos bens que a integram e o preenchimento dela, em concreto, uma limitação ao direito que o legitimário tem de ver o seu quinhão preenchido em termos de igualdade qualificativa com os demais herdeiros (...)” (itálico nosso). L. A sustentação trazida pelos Recorrentes A. e B. – que defendem que “O princípio da intangibilidade da legíti- ma (...) é um princípio que apenas inibe o preenchimento direto por testamento da quota do legitimário pelo autor da herança”, que tal princípio “(...) limita o de cuius e não os interessados na partilha (...)” e, bem assim, que “(...) o artigo 2163.º do C.C. (...) apenas é limitação imposta ao testador e nunca aos herdeiros legitimá- rios” – não colhe, porquanto ignora a ratio do disposto no artigo 2163.º do Código Civil, que encontra o seu foco na proteção dos direitos e da vontade do herdeiro legitimário, e, bem assim, porquanto ignora – como bem defendem Pires de Lima e Antunes Varela – a “própria natureza da legítima”. M. O artigo 2163.º do Código Civil faz apenas referência ao autor da sucessão tão simplesmente pelo facto de, no momento da sua entrada em vigor, não haver outro que pudesse ofender a legítima, não sendo, por conse- guinte, necessário proceder a qualquer interpretação extensiva para se sustentar que o Princípio da Intangibi- lidade da Legítima impede que a legítima seja preenchida contra a vontade do herdeiro legitimário através de processos decisórios arbitrários de uma maioria de dois terços dos herdeiros que, no processo de inventário, contra si litigam. N. O disposto no artigo 2163.º do Código Civil manteve-se em vigor mesmo após a entrada em vigor do RJPI, mantendo-se, portanto, a proibição àquele que é o autor da sucessão e, na verdade, a fonte dos direitos que vierem a ser recebidos pelos herdeiros legitimários, de impor encargos sobre a legítima contra a vontade do herdeiro, não sendo de aceitar, por maioria de razão, que tal limitação deixasse de existir quando tal imposição partisse de outros co-herdeiros, titulares de direitos conflituantes com o do herdeiro legitimário. O. A norma ora posta em crise, se aplicada, conduziria à integral derrogação do Princípio da Intangibilidade da Legítima quando em causa estivessem em confronto direitos conflituantes como o são aqueles que opõem os herdeiros legitimários num processo de inventário, ao passo que manteria intacto tal Princípio da Intangibi- lidade da Legítima quando em causa estivesse a liberdade de testar do autor da sucessão. P. O que não é nem proporcional, nem lógico, nem condizente com o Princípio da Intangibilidade da Legítima previsto no artigo 2163.º do Código Civil.  Q. Em defesa da inconstitucionalidade da norma em crise, sustentou Andreia Sofia Morteira Lopes, in “O Novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, Evolução da prática ou retrocesso na garantia dos direitos dos cidadão?!”, que “Este retrocesso na garantia e protecção dos direitos dos cidadãos, configura outra inconsti- tucionalidade deste NRJPI, assente na violação do princípio da intangibilidade da legítima. (...) Assim, torna-se inconcebível que se proíba o testador de impor encargos sobre a legítima e de designar os bens que a devem preencher

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