TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

788 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contra a vontade do herdeiro, artigo 2163.º do CC supra já referido, e venha o legislador, neste NRJPI, abrir esta frexa, através da qual o herdeiro legitimário pode ver o seu quinhão preenchido por bens que não pretendia. É manifesta a inconstitucionalidade desta nova solução legislativa por violação do princípio da intangibilidade da legítima. Mais, tal solução levanta ainda dúvidas constitucionais por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP. ” (itálico nosso). R. No Parecer do Conselho Superior da Magistratura sobre o RJPI, e que foi assinado pelo Juiz de Direito Joel Timóteo Ramos Pereira, pode ler-se que “Tal solução constitui uma das principais deficiências do regime e abre o caminho para as maiores arbitrariedades na efectivação das partilhas “mortis causa”. Tratar as matérias da partilha e da composição dos quinhões em concreto entre herdeiros como se de uma deliberação social ou de assembleia de condomínio se tratasse é permitir a ditadura de uma maioria, contrária às regras elementares de justiça relativa e até de defesa do direito de propriedade, constitucionalmente protegido.” (sublinhados e realces nossos).  S. Continua o Parecer ora em análise, dizendo que “Mais ainda: admitir que dois terços dos herdeiros pudessem impor uma determinada composição dos quinhões poderia representar até, no que à sucessão legitimária diz respeito, uma violação do princípio da intangibilidade qualitativa da legítima. Ou seja, aquilo que a lei veda ao autor da sucessão – que é a possibilidade de designar os bens que devam preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário (cfr. artigo 2163.º do Código Civil), – passaria a ser possível aos co-herdeiros, desde que representassem dois terços da herança. ” (itálico nosso).  T. Ao contrário do que sustentam os Recorrentes A. e B., a solução que actualmente decorre do n.º 1 do artigo 48.º do RJPI não é nem justa, nem igualitária, afastando da decisão do processo de inventário aquele que não lograr obter um apoio de mais de um terço dos herdeiros, impedindo-o de discutir qual ou quais os bens que em concreto lhe competirá(ão), bem como os valores pelos quais todos os bens serão adjudicados.  U. Retomando as palavras do Juiz de Direito Joel Timóteo Ramos Pereira, “Tratar a delicada questão da composição em concreto dos quinhões dos herdeiros através da regra da maioria é abrir a porta à desigualdade e à não protecção dos herdeiros que não se tenham abrigado sob o “chapéu de chuva” da maioria de dois terços ” (itálico nosso).  V. Do disposto no artigo 48.º, n.º 1, do RJPI, resulta igualmente a violação do Princípio da Igualdade, mais concretamente, do Princípio Processual da Igualdade de Armas previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.  W. Nas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I”, “A exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20.º, n.º 4, se não afasta a liberdade de conformação do legis- lador na concreta estruturação do processo, impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo (Acórdão n. 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (itálico nosso).  X. In casu , evidente se torna concluir que a solução consagrada no n.º 1 do artigo 48.º do RJPI não logra cumprir tal desiderato, falhando manifestamente na obrigação de proporcionar a exigível paridade entre as partes no processo. Y. Os Autores prosseguem afirmando que “Segundo o Tribunal Constitucional, do conteúdo do direito de defe- sa e do princípio do contraditório resulta, prima facie , que cada uma das partes deve poder exercer uma influên- cia efectiva no desenvolvimento do processo (...). A jurisprudência adopta, assim, um entendimento amplo do contraditório, entendido “ como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (...) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisã o” (itálicos nossos). Z. Ao contrário daquilo que sustentam os Recorrentes A. e B., a “normal tramitação do processo de inventário” não passa pela “transacção” a que corresponde a solução apontada no n.º 1 do artigo 48.º do RJPI, mas sim pela licitação dos bens que constituem o acervo hereditário, caminho esse que, agora, se encontra vedado a

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