TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

79 acórdão n.º 464/19 efetiva dos direitos fundamentais» ( Mangoldt/Klein/Starck, GG – Grundgesetz Kommentar, Band 1, 7. Auflage , C. H. Beck , 2018, artigo 10, Abs. 2, 75, p. 1084). Note-se, por fim, que a relevância comunicacional dos dados de tráfego não os descaracteriza enquanto dados pessoais ligados à privacidade dos indivíduos e ao livre desenvolvimento da respetiva personalidade – bens jurídicos tutelados pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição –, tanto mais que o seu tratamento infor- mático e acesso por terceiros atinge o direito de cada um controlar as informações que lhe dizem respeito, ou seja, o seu direito à autodeterminação informativa, consagrado no artigo 35.º da Constituição (cfr. infra o n.º 10). 9.2. O n.º 4 do artigo 34.º, embora proíba as ingerências na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, admite-as nos «casos previstos na lei em matéria de processo penal», ou seja, «a autorização constitucional expressa para a restrição do direito à inviolabilidade das comunicações é completada com a discriminação dos fins e interesses a prosseguir com a lei restritiva ou com o critério que deve balizar a intervenção do legislador ordinário» (vide Acórdão n.º 403/15, ponto 16). Tal constitui, ao mesmo tempo, a «garantia de que tais restrições não estão autorizadas noutras matérias e para outras finali- dades» (vide ibidem ). Deste modo, o n.º 4 do artigo 34.º da CRP conduz à inevitável conclusão de que o legislador constitu- cional resolveu explicitamente, no texto da Constituição, o sentido no qual devem ser resolvidas as eventuais colisões entre os valores constitucionalmente protegidos, e os correspetivos direitos fundamentais, à liber- dade individual, e à sua específica dimensão de direito à inviolabilidade das telecomunicações, por um lado, e, por outro, à segurança e preservação da ordem constitucional, que se traduz na necessidade de prevenir a ocorrência de atos passíveis de a colocar em perigo. Ao resolver de forma expressa tal tensão axiológica e jusfundamental, o legislador constituinte retirou ao intérprete constitucional o espaço para encontrar, por via interpretativa, solução distinta para a operação de concordância prática em questão. Nesse sentido, entendeu-se no Acórdão n.º 403/15: «17. Ao definir o campo de incidência da lei restritiva do direito à inviolabilidade das comunicações pela “maté- ria de processo criminal” a Constituição ponderou e tomou posição (em parte) sobre o conflito entre os bens jurí- dicos protegidos por aquele direito fundamental e os valores comunitários, especialmente os da segurança, a cuja realização se dirige o processo penal. Não obstante as restrições legais ao direito à inviolabilidade das comunicações que o legislador está autorizado a estabelecer deverem obedecer à ponderação do princípio da proporcionalidade, a preferência abstrata pelo valor da segurança em prejuízo da privacidade das comunicações só pode valer em maté- ria de processo penal. É que a não inclusão de outras matérias do âmbito da restrição do direito à inviolabilidade das comunicações, não é contrária ao plano ordenador do sistema jurídico-constitucional. Ainda que se pudesse considerar, em abstrato, que há outras matérias em que o valor da segurança sobreleva os valores próprios do direito à inviolabilidade das comunicações, a falta de cobertura normativa da restrição em matérias extraprocessuais não frustra as intenções ordenadoras do atual sistema, porque há razões político-jurídicas que estão na base da absten- ção do legislador constitucional. Que não estamos perante uma “incompletude contrária ao plano normativo” da Constituição é confirmado, de forma implícita, mas clara, pelas opções valorativas tomadas aquando da 4.ª e da 5.ª revisões constitucionais. Nes- sas revisões foram abertamente tidos em conta imperativos acrescidos de segurança e a necessidade de incrementar medidas contra a criminalidade referida na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto n.º 426/XII. Esse objetivo levou a alterações que se traduziram em restrições a direitos fundamentais, nesta área, com a consagração de novos equilíbrios normativos entre os valores aqui em confronto. Assim, pela 4.ª revisão, o artigo 33.º, n.º 3, passou a prever a extradição de cidadãos portugueses, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade interna- cional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo

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