TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

792 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL especialmente ajustado a um inventário moderno, próprio de Estado democrático e igualitário que o legislador quis salvaguardar com o novo regime do NRJPI. 10. O legislador procurou estabelecer formas de evitar que um interessado, ou uma minoria dos interessados numa determinada herança, coloquem entraves à normal tramitação do processo de inventário, procurando simplificá-lo e torná-lo mais célere, sem deixar de assegurar e de acautelar que, entre os interessados, a partilha efetivamente fosse pos- sível nos termos mais igualitários e equitativos, garantindo que a cada herdeiro não seja retirado nada do que lhe caiba, ou devesse caber, e que todos possam participar em iguais condições na votação, assegurando a todos a correspondência entre o valor dos bens e o valor dos quinhões (cf. n.º 2 do artigo 48.º do NRJPI), o que no regime pretérito não sucedia; 11. O segmento normativo em crise, como norma adjetiva que é não se sobrepõe, nem posterga, ao contrário do que os seus opositores defendem de forma unânime, a lei substantiva, quer ao nível do direito positivo suces- sório (principio da intangibilidade da legitima), nem a quaisquer princípios constitucionais materiais apontados como violados por tal norma, concretamente o princípio da propriedade privada, o princípio da igualdade, que processualmente se materializa no princípio da igualdade de armas e ainda direito a processo equitativo; 12. Cotejando entre o que se dispõe adjetivamente e o que, a nível substantivo, se dispõem nas regras que fixam os termos em que se devem partilhar os bens que constituem um determinado acervo hereditário, sob pena de se desvirtuar os interesses inerentes a uma justa e correta partilha de bens entre os diversos interessados, não existe, nem sobreposição, nem postergação de norma de lei substantiva de direito positivo sucessório, concretamente do artigo 2163.º do C.C. (principio da intangibilidade da legitima); 13. Ora, um de tais preceitos, a que os opositores do atual regime unanimemente recorrem a nível substantivo é o artigo 2163.º do C.C., de acordo com o qual, no caso de, como o ora em apreço, se tratar de sucessão legitimária (vide artigo 2157.º do C.C.) “O testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro. “; 14. Segundo os opositores do atual regime, se a composição de quinhões pode ser acordada pela mencionada maioria de dois terços prevista no n.º 1 do artigo 48.º do NRJPI, o certo é que este regime não se pode sobrepor ao “princípio da intangibilidade da legítima”; 15. Segundo os opositores do NRJPI a solução legal da composição de quinhões poder ser deliberada por maioria dos herdeiros interessados, no que respeita à sucessão legitimária, não pode implicar a violação do prin- cípio da intangibilidade da legítima, pois não poderá ser possível a co-herdeiros que representem dois terços da herança designarem os bens que integram a respectiva legítima (sob pena de se violar, por via da lei processual, o expressamente proibido na lei substantiva, uma vez que em sua opinião, o artigo 2163.º do C.C. proíbe ao autor da sucessão designar os bens que devem preencher a legítima, contra a vontade do herdeiro legitimário; 16. Os Recorrentes consideram que todos os opositores do NRJPI lavram num grave equívoco quanto a este princípio da intangibilidade da legítima, porquanto este princípio da intangibilidade da legítima na vertente qualitativa é disposição que limita o de cuius e não os interessados na partilha, que prevalece sobre as disposições testamentárias, mas não sobre as regras da partilha; 17. O princípio da intangibilidade da legítima sobre a vertente qualitativa é um princípio que apenas inibe o preenchimento direto por testamento da quota do legitimário pelo autor da herança; 18. No direito sucessório português concede-se ao autor da sucessão liberdade de disposição, no entanto, todas as suas liberalidades deverão ser imputadas na quota disponível, indo o direito positivo sucessório ao ponto que aceitar até que ele faça liberalidades imputáveis na legítima, mas reconhecendo ao legitimário o direito de as não aceitar, sem ser privado dos seus direitos sucessórios imperativos; 19. Realmente quando é deixado um legado por conta e em substituição da legítima, assiste ao beneficiário a faculdade de optar entre o referido legado ou a legítima subjetiva que se encontra por preencher. Se a tivesse que aceitar por imposição do direito positivo sucessório português, seria então, inexistente o princípio da intangibili- dade na vertente qualitativa; 20. Os opositores do atual regime lavram num equívoco, porquanto o artigo 2163.º do C.C. que proíbe ao autor da sucessão, contra a vontade do herdeiro, este vir a herdar bens que não queira, apenas é limitação imposta ao testador e nunca aos herdeiros legitimários;

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