TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

794 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 2 do NRJPI), visando, como expressamente refere “ ... possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.”; 32. Tendo ainda o legislador, a fim de limitar a possibilidade de desequilíbrio nos casos de adjudicação por licitação, estabelecido que, em caso de licitação o valor a propor não pode ser inferior a 85 do valor base dos bens (cfr. artigo 50.º , n.º 2 do NRJPI). Estas são mais duas relevantes inovações introduzidas pelo legislador, tendo em conta o fim por ele prosseguido com o NRJPI; 33.A solução consagrada pelo legislador no NRJPI permite, assim, alcançar uma partilha justa e igualitária, com o respeito pelos direitos de todos os interessados, como é o objetivo primordial do processo de inventário quando tem a natureza de divisório; 34. Este o “espaço”/contexto em que o NRJPI foi aprovado, rompendo com a primazia até então dada à lici- tação e contrariando o pendor liberal e individualista que no séc XIX levou à sua consagração no nosso direito positivo, o qual, mesmo após a pretensa limitação da exigência de uma improvável e perniciosa unanimidade, se manteve por mais de um século; 35. O legislador pretendeu voluntariamente introduzir uma logica democrática e igualitária, mais consentânea com os tempos atuais e sensível à vontade da maioria em vez da unanimidade (que no regime anterior conferia ao herdeiro interessado na licitação um direito de veto, que viabilizava a sua intenção de licitar, mesmo contra a vontade de todos os co-herdeiros) e à protecção da parte mais fraca, limitando e retirando espaço de eficácia a um mecanismo comparativamente menos justo e menos igualitário como é a licitação; 36. Apontam os opositores do segmento normativo em crise que o mesmo, ao permitir uma imposição do preenchimento da quota dos herdeiros que não aprovam a deliberação, não acautela a defesa do direito de pro- priedade de que são titulares esses herdeiros, o que viola o direito de propriedade privada constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da Constituição; 37. Sustentam que o preenchimento da quota do interessado herdeiro não pode ficar sob o domínio de outrem através da intervenção da maioria dos contitulares do acervo hereditário, sendo que a alternativa que propõem é a de que, regressando ao passado, fique sob o domínio de um só, como sucedia no caso da unanimidade, a qual, a não existir, conduziria necessariamente à licitação (pelo mero veto de um único herdeiro nela interessado); 38.Ora, de acordo com o direito sucessório, antes da partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens con- cretos que preenchem tal quota (cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 2013); 39. Até à partilha (independentemente do mecanismo utilizado para a concretizar: acordo, deliberação maio- ritária, licitação, negociação particular ... ), os herdeiros não têm qualquer direito de propriedade sobre quaisquer bens que integrem o acervo hereditário, nem tão pouco são comproprietários desses bens, sendo sim, e tão só, contitulares desse património autónomo e titulares de uma quota que recai sobre tal património, mas não sobre quaisquer bens que o integrem. Sendo somente com a partilha, a qual leva à cessação da comunhão hereditária e ao preenchimento das quotas dos herdeiros com bens determinados, que os herdeiros adquirem o direito de proprie- dade sobre tais bens, e adquirem-na, não dos restantes co-herdeiros, mas diretamente do de cuius ; 40. O segmento normativo em crise não retira nada do que caiba ou devesse caber a qualquer dos co-herdeiros, a cada um dos quais o direito sucessório português não reconhece o direito de escolher, sozinho e livremente os bens que irão preencher a sua quota (se assim fosse não existia partilha) e até impõe, em algumas situações e como atrás referido, bens determinados; 41. Entendem assim os Recorrentes que o segmento normativo em crise, a regra da deliberação por maioria de dois terços na composição de quinhões não viola o direito de propriedade privada constitucionalmente consagrado no artigo 62.ª da Constituição; 42. Quanto à invocada violação do principio da igualdade, entendem os Recorrentes que na apreciação dessa questão se deve ter em conta, para além do conjunto de normas que integram o processo de inventário, a vontade

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