TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

80 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e equitativo. Também o n.º 4 do mesmo artigo passou a admitir a extradição por crimes puníveis com a prisão perpétua (ainda que só mediante a garantia de não aplicação ao caso). O próprio artigo 34.º foi objeto de reponderação, na 5.ª revisão constitucional, passando a admitir-se, no n.º 3, a entrada durante a noite no domicílio das pessoas, com autorização judicial, “em casos de criminalidade espe- cialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas”. O repensamento desta matéria, nas referidas revisões constitucionais, deixou inalterados os termos da norma permissiva de ingerência nas telecomunicações, estabelecida na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 34.º, e o seu alcance restrito a “matéria de processo criminal”. Apenas se alargou o âmbito da proibição aos “demais meios de comuni- cação”, na revisão de 1997. Nada autoriza, pois, a admitir uma eventual extensão do âmbito da ressalva final do n.º 4 do artigo 34.º – para a qual, aliás, o intérprete, neste contexto concreto, não dispõe de instrumentos metodológicos adequados.» Pode falar-se, por isso, de uma reserva absoluta de processo criminal: «De facto, a referência ao processo criminal não é apenas uma indicação teleológica, mas também a localização da restrição à proibição de ingerência numa área estruturada normativamente em termos de oferecer garantias bas- tantes contra intromissões abusivas. Ao autorizar a ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação apenas em matéria de processo penal, e não para quaisquer outros efeitos, a Constituição quis garantir que o acesso a esses meios, para salvaguarda dos valores da “justiça” e da “segurança”, fosse efetuado através de um instrumento processual que também proteja os direitos fundamentais das pessoas. Porque a ingerência nas comunicações põe em conflito um direito fundamental com outros direitos ou valores comunitários, considerou-se que a restrição daquele direito só seria autorizada para realização dos valores da justiça, da descoberta da verdade material e res- tabelecimento da paz jurídica comunitária, os valores que ao processo criminal incumbe realizar. Assim, remeteu para o legislador processual penal a tarefa de “concordância prática” dos valores conflituantes na ingerência nas comunicações privadas: por um lado, a tutela do direito à inviolabilidade das comunicações; por outro, a viabiliza- ção da justiça penal. Na verdade, como escreve Figueiredo Dias, «o processo penal é um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual» (cfr. Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 59).  Assim, a referência ao processo criminal, encontrando-se estreitamente associada à Constituição, onde se dete- tam normas diretamente atinentes a essa matéria e que condensam os respetivos princípios estruturantes (artigo 32.º) – a ponto de se falar numa constituição processual criminal –, tem um sentido hermenêutico inequívoco, não podendo deixar de ser entendido como a “sequência de atos juridicamente preordenados praticados por pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre a prática de um crime e as suas consequências jurídicas”.» Esta reserva de processo criminal constitucionalmente estabelecida tem, além do mais, relevantíssimas consequências na esfera jurídica da pessoa, em particular quando constituída arguida, como a determinação do regime de nulidade de provas obtidas através de métodos inadmissíveis e a obrigatoriedade de intervenção de um juiz quando esteja em causa a prática de atos potencialmente lesivos de direitos fundamentais: «[O] artigo 34.º, n.º 4, ao delimitar a restrição à matéria de processo penal tem também outras consequências com reflexo no estatuto constitucional do arguido. Desde logo, a realização da justiça, não sendo um fim único do processo criminal, apenas pode ser conseguida de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas. O respeito desses direitos conduz, por exemplo, a considerar inadmissíveis certos métodos de provas e a cominar a nulidade de «todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» (cfr. artigo 32.º, n.º 8, da CRP). A nulidade das provas, com a consequente impossibilidade da sua valoração no processo, quando sejam obtidas por ingerência abusiva nas comunicações, corresponde assim

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