TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

800 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equita- tivo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. Nesta senda, assinala o aresto n.º 658/11 que a regra do contraditório constitui um corolário do pro- cesso equitativo consagrado na Constituição «entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento da lide, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, previamente à prolação da decisão, poderem influir na decisão do processo.» A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (neste sentido, o Acórdão n.º 669/19, disponível no site do Tribunal Constitucional). Vejamos, pois. Aventa a Recorrente, acompanhada pelo Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, que a inovação normativa introduzida no sentido de se bastar com uma maioria de dois terços dos interessados, para efeitos das deliberações previstas no n.º 1 do artigo 48.º do RJPI, impede a participação dos demais titulares do direito à herança, coartando a sua capacidade de influenciar e se pronunciar sobre a composição dos quinhões hereditários, colocando-os numa posição processual de ostensiva desvantagem. Todavia, não se crê que assim seja. Desde logo, como se viu, a conferência preparatória não pode ser perspetivada de forma isolada, como um momento autónomo do processo de inventário, cujo objeto apenas nessa circunstância é apresentado à conformação, contraditório e escrutínio dos interessados. De facto, assim não é. A conferência preparatória é antecedida de uma sequência de atos decisivamente determinantes do seu escopo, atos esses que, sem olhar à proporção da quota, são do conhecimento de todos os interessados, que sobre eles detém efetiva capacidade de intervenção e modelação. Com efeito, uma vez apresentado o requeri- mento inicial destinado a pôr termo à comunhão hereditária (artigo 21.º do RJPI) segue-se a nomeação e declarações do cabeça de casal. Ao cabeça de casal encontra-se cometida a incumbência de apresentar, relacionar e indicar o valor atribuído a cada bem (artigos 23.º a 26.º do RJPI). Nesta sequência, todos os interessados, antevendo a conferência preparatória subsequente, podem deduzir oposição ao inventário, impugnar as decla- rações prestadas pelo cabeça de casal (artigos 30.º e 31.º do RJPI) e apresentar reclamação contra a relação de bens (artigo 32.º do RJPI), questionando o valor atribuído aos bens, oferecendo valor distinto que considerem adequado e promovendo a realização de uma avaliação, efetuada por um único perito (artigo 33.º do RJPI). Donde, aquando da designação da conferência preparatória, acompanhada da menção do seu objeto, a todos os interessados foi propiciada a possibilidade de, em igualdade de circunstâncias e independentemente da proporção da respetiva quota, conformar e contraditar os assuntos a submeter à sobredita conferência. Além disso, como cláusula de salvaguarda, o legislador determinou que, quando em sede de conferência preparatória e por maioria de dois terços haja deliberação sobre as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores porque devem ser adjudicados, tal deliberação pode ser precedida de avaliação, requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo notário, destinada a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados (prerrogativa prevista no n.º 2 do artigo 48.º do RJPI e que, no caso concreto, foi disponibilizada à recorrente, que a enjeitou). Acresce que, animado pelo propósito de tratamento igualitário entre todos os interessados e procurando obstaculizar a negociações entre uns em detrimento de outros, o legislador estabeleceu, no n.º 2 do artigo

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=