TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
81 acórdão n.º 464/19 a uma garantia do processo criminal e resulta de ter havido acesso à informação fora dos casos em que a própria Constituição consente a restrição ao princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada. Por outro lado, a referência ao processo criminal implica que a intervenção restritiva careça de prévia auto- rização judicial. Sendo o processo criminal uma forma heterocompositiva através da qual se realizam as funções de jurisdictio referidas à atuação de pretensões baseadas em normas públicas de direito criminal, exige-se a inter- venção de um órgão qualificado para essas funções (cfr. artigo 202.º da CRP). Embora se não trate de um caso em que a reserva do juiz ou a reserva de primeira decisão se encontre especialmente individualizada na Consti- tuição […], não pode deixar de reconhecer-se que a reserva absoluta do juiz tende a afirmar-se quando não existe qualquer razão ou fundamento material para a opção por um procedimento não judicial de resolução de litígio (Gomes Canotilho, ob. cit. , p. 663). O que é particularmente evidente quando se trate de questões que se reportam ao núcleo duro da função jurisdicional, como é o caso das competências exclusivas do juiz de instrução (artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal), em que releva a prática de atos que afetam direitos, liberdades e garantias das pessoas (cfr. Vieira de Andrade, “Reserva do juiz e intervenção ministerial em matéria de fixação da indemnizações por nacionalizações”, Scientia ivridica , Tomo XLVII, n. os 274-276, julho/dezembro, 1998, p. 225). Esse é seguramente o caso quando está em causa a interceção, gravação ou registo de comunicações [artigo 269.º, n.º 1, alínea c) , do CPP].» Daí a conclusão, que agora se reitera: «Estando excluída a possibilidade, em todo este contexto, de efetuar uma interpretação da norma constitucio- nal que consinta o acesso a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações no âmbito das atribuições dos serviços de informações, à revelia de qualquer processo penal ou autorização judicial, ainda que tenha em vista a prevenção penal de bens jurídicos muito relevantes [artigos 4.º, n.º 1, alínea c) , e 78.º, n.º 2, do Decreto], dificilmente se poderá encarar a ideia de uma ampliação do âmbito da restrição contida no artigo 34.º, n.º 4, 2.ª parte, a partir do fim da regulação ou da conexão de sentido da norma. Desde logo, porque a finalidade do preceito, como assinalou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 241/02, é a de delimitar o âmbito das restri- ções à garantia da inviolabilidade das comunicações. E, como se deixou exposto, essa delimitação é expressamente assumida pela Constituição como sendo apenas reconduzível às situações enquadradas pelo processo penal. Não há aqui, por isso, uma qualquer lacuna oculta que justifique, contra o seu sentido literal, uma interpretação conforme com a teleologia imanente da norma, já que ela própria tem por objetivo definir o âmbito preciso da restrição, sem que se torne possível estabelecer uma identidade valorativa entre o processo penal e a investigação levada a efeito pelos serviços de informações. Além de que o alargamento do âmbito da norma constitucional, a ser admitida, teria um duplo sentido, implicando não apenas uma ampliação do âmbito aplicativo da restrição ao princípio da não ingerência nas comunicações, mas também uma redução da garantia de reserva de juiz, através da remissão do controlo de atos que afetam direitos fundamentais para uma entidade meramente administrativa. Pode, então, concluir-se que, no caso da proibição de ingerência das autoridades públicas nas comunicações, que o artigo 34.º, n.º 4, primeira parte, consagra como princípio geral, as exceções a que se refere o segmento final desse preceito estão condicionadas à matéria de processo penal, e sendo a restrição constitucionalmente autorizada apenas nesses termos, não tem cabimento efetuar uma qualquer outra interpretação que permita alargar a restrição a outros efeitos, como se a restrição não estivesse especificada no próprio texto constitucional ou se tratasse aí de uma restrição meramente implícita que permitisse atender a outros valores ou bens constitucionalmente reconhe- cidos.» Resulta deste modo, claramente, que no entendimento firmado no Acórdão n.º 403/15, a limitação da restrição do direito de sigilo das comunicações a matéria de processo penal não se baseia exclusivamente no elemento literal ou gramatical de interpretação (a letra da lei), mas numa combinação de vários elementos – o sistemático, o histórico e o teleológico – que atribuem um especial significado à exigência constitucional de reserva absoluta de processo criminal, de acordo com a nossa tradição sociopolítica baseada na importância
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