TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

816 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) , 72.º, n.º 3, 78.º, n.º 4, e 75.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), indicando como seu objeto a norma referida no ponto anterior. 3. Prosseguindo os autos para alegações, o Ministério Público aderiu à conclusão alcançada pelo tribunal a quo, no sentido da inconstitucionalidade (fls. 194-217), concluindo o seguinte (fls. 215-217): «5. Conclusões: 5.1. O princípio da autonomia local, no quadro da sua consagração constitucional, constitui-se como um dos pilares essenciais da organização territorial da República Portuguesa, intimamente ligado à gestão democrática da República, e enquanto tal considera-se como um elemento estruturante do Estado de Direito Democrático. 5.2. O princípio da autonomia local consagrado constitucionalmente consubstancia-se numa dimensão alar- gada de autonomia composta por diversos elementos constitutivos, garantes de uma efetiva capacidade de concre- tização e execução das suas atribuições e competências na prossecução dos interesses próprios da população perante quem são responsáveis, sem interferências ou condicionamentos do Governo. 5.3. É no âmbito da autonomia em matéria de pessoal que se insere a competência das autarquias para decidir e gerir um “quadro de pessoal próprio, nos termos da lei”, conforme n.° 1 do artigo 243° da CRP, sendo aplicável, nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, aos trabalhadores em funções públicas das autarquias o regime dos funcio- nários do Estado, com as necessárias adaptações, nos termos da lei. 5.4. A garantia de um corpo próprio de trabalhadores das autarquias, não dependentes da administração do Estado é instrumental face à execução das atribuições das autarquias. 5.5. A prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. 5.6. Os poderes e competências constitutivos da autonomia local podem ser condicionados ou comprimidos por lei, mas somente quando um interesse nacional ou supralocal o justificar, nunca podendo ser atingido o núcleo essencial da garantia da autonomia autárquica. 5.7. O interesse público que subjaz à finalidade do n.° 2 do artigo 66.° da Lei n.° 66-B/2012, que impõe a obtenção de parecer prévio favorável do membro do Governo responsável pelas finanças e pela Administração pública para que as autarquias possam abrir procedimento de contratação de trabalhadores, consubstancia-se no equilíbrio das contas do sector público, quanto aos gastos com o pessoal, no âmbito do contexto económico- -financeiro do país que, à data, se encontrava sob resgate e a execução do Programa de Assistência Económica e Financeira acordado entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o FMI. 5.8. O cumprimento desta finalidade pelas autarquias locais traduz-se na sua sujeição às regras estipuladas no referido artigo 66.° para o controlo do recrutamento de trabalhadores nas autarquias locais. 5.9. A exigência de o parecer prévio, vinculativo, do governo para a abertura do procedimento concursal, para além de nos parecer desnecessária e desproporcional face à finalidade das medidas legislativas em causa, con- substancia uma interferência do Governo nas competências das autarquias que condicionam e constrangem a sua autonomia constitucionalmente garantida. 5.10. Tanto mais que este parecer prévio não se configura no âmbito da tutela administrativa das autarquias, prevista no artigo 242.° da Constituição da República Portuguesa. 5.11 A gestão do quadro do pessoal, sendo instrumental da concretização dos demais poderes, consubstancia- -se como essencial na concretização das deliberações e opções das autarquias, não podendo estas ser condicionadas pelo teor positivo ou negativo de um parecer prévio do Governo. 5.12 Assim, a norma constante do n.° 2 do artigo 66.° da Lei n.° 66-B/2012, na parte em que, determinando a observância do disposto nos n. os 6 e 7 do artigo 6.° da LVCR, impõe às autarquias locais a prévia obtenção de parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela Administração Pública para abertura

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