TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

821 acórdão n.º 688/19 Efetivamente, como logo referido no Acórdão n.º 296/13, do Plenário, pontos 12-13: «Como sintetiza Melo Alexandrino, “a Constituição é relevante para o direito das autarquias locais pelo menos por três ordens de razões. A primeira porque é na Constituição que estão definidos os valores e os princípios estruturantes do direito local (…). A segunda porque a Constituição de 1976 teve uma clara intenção de definir expressamente a organização do poder político ao nível local, elevando por isso os órgãos do poder local a órgãos constitucionais e revestindo-os de um sistema de garantias constitucionais similares às aplicáveis aos órgãos de soberania e aos órgãos das regiões autónomas (…). A terceira porque a constituição regulou exaustivamente inúmeras outras facetas da administração e do regime local, naquilo que podemos qualificar como direito constitucional local” (J. de Melo Ale- xandrino, “Direito das Autarquias Locais”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, 2010, p. 29). De facto, a existência de uma garantia constitucional de autarquias locais, constante no artigo 235.º, n.º 1, da CRP, tem um sentido de garantia institucional, assegurando a existência de administração local autárquica autó- noma. A garantia da autonomia local é um limite ao próprio poder de revisão constitucional [artigo 288.º, alínea n) , da CRP] e tem um âmbito de proteção amplo. 13. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 432/93 assinala o primeiro teste da consistência do conceito de autonomia local na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Artur Maurício, “A Garantia Constitucional da Autonomia Local à Luz da Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Cardoso da Costa, p. 635). Nessa ocasião, o Tribunal sublinhou que as autarquias locais são justificadas pelos valores da liberdade e da participação e concorrem para a organização democrática do Estado, conformando um “âmbito de democracia”. Mais se salientou, então, que a Constituição não traça para as autarquias locais um “figurino de mera administração autónoma do Estado”, pois constituem “uma estrutura do poder político”, assumindo as nor- mas que organizam o seu poder uma “justificação eminentemente democrática” e fundando-se o poder autárquico numa “ideia de consideração e representação aproximada de interesses”. (…).» No entanto, como se esclarece no Acórdão n.º 494/15, do Plenário: «10. A prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, “como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraorde- nação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os inte- resses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse – o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais” (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). Como nota André Folque, quando “a autonomia municipal postula interesses próprios e quando se fala na concorrência da dimensão nacional com a dimensão local, isso não corresponde a uma sobreposição de atribui- ções. De outro modo, seria preterida a esfera de interesses próprios (artigo 235.º, n.º 2)” ( A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Editora, 2004, pp. 130-131). Sendo certo que “as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei” (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a pros- secução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta margem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, “o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais” (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.). Assim, na síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local: “a autonomia do poder local vem sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competên- cias, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade”, só podendo a “restrição legal desses

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