TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

822 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interesses (…) ser feita com o fim da prossecução de um interesse geral, que ao legislador compete definir, não podendo, de todo o modo, ser atingido o núcleo essencial da garantia da administração autónoma”. “Nos âmbitos que considera abertos à concorrência do Estado e das autarquias vem ainda o Tribunal entendendo (…) que são constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade” ( ob. cit. , pp. 656-657).» 9. A questão colocada no presente processo está relacionada com um dos elementos constitutivos da autonomia local – a garantia de que as autarquias terão «quadros de pessoal próprio» (artigo 243.º, n.º 1, da Constituição). Este elemento da autonomia foi desenvolvido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 494/15, do Plenário, citado na decisão a quo, como justificação da desaplicação da norma em causa (embora, por lapso, a decisão o identifique como Acórdão n.º 949/15), afirmando-se, nos pontos 11-12:  «11. A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a pros- secução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomeadamente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a autonomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n.º 1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º). Como António Cândido de Oliveira refere, existe um «conjunto de poderes constitucionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamentar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administra- ção local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» ( Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 2013, pp. 92- 93). O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República , Coimbra Editora, 2012, p. 385). 12. É neste contexto que deve ser entendida a autonomia local em termos de existência de «quadros de pes- soal próprio, nos termos da lei» (artigo 243.º, n.º 1), sendo aplicável aos trabalhadores em funções públicas das autarquias o regime aplicável aos do Estado «com as necessárias adaptações, nos termos da lei» (artigo 243.º, n.º 2). Trata-se de um elemento da autonomia, constitucionalmente protegido, relacionado com o poder de auto- -organização dos serviços (M. J. L. Castanheira Neves, Governo e administração local, Coimbra Editora, 2004, p. 276). A garantia de um corpo próprio de trabalhadores das autarquias, não dependentes da administração do Estado é instrumental face à execução das atribuições das autarquias visando a prossecução dos interesses próprios das respetivas populações (A. Cândido de Oliveira, ob. cit. , p. 202). Só dessa forma se garante o caráter autónomo da administração local, consagrado na Constituição. Decorre, portanto, da garantia de autonomia local que as autarquias possam assumir o papel de entidade empregadora pública, de forma autónoma face ao Estado, quer relativamente às relações individuais de trabalho com os trabalhadores em funções públicas, quer, na configuração atualmente existente na lei, em relação às relações coletivas, quanto à celebração de acordos coletivos de trabalho com as associações sindicais representativas dos respetivos trabalhadores.»

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