TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

824 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL As contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas em violação destas regras eram considera- das nulas, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar e originando «redução nas transferências do Orçamento do Estado para a autarquia em causa de montante idêntico ao despendido com tais contratações ou nomeações» (artigo 66.º, n.º 4, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013). 11. Note-se que o regime decorrente do artigo 66.º da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013 não se aplicava a todas as autarquias, constituindo o artigo 67.º da mesma Lei «norma especial para autarquias locais abrangidas pelo respetivo âmbito de aplicação» (artigo 66.º, n.º 5). Este regime especial era aplicável aos municípios que se encontrassem em situação de desequilíbrio financeiro estrutural ou de rutura financeira, nos termos do artigo 41.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, que aprovou a Lei das Finanças Locais, alterada pelas Leis n. os 22-A/2007, de 29 de junho, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 22/2012, de 30 de maio, bem como às «autarquias com endividamento líquido superior ao limite legal de endividamento em 2012, ainda que não tenha sido declarada a situação de desequilíbrio financeiro estrutural ou de rutura financeira» (artigo 67.º, n.º 1 e 2, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013). Ao analisar a constitucionalidade da norma objeto do presente processo é necessário, assim, ter em conta de que ela apenas era aplicável às autarquias locais que não se encontravam em situação de desequilíbrio financeiro estrutural ou de rutura financeira nem tinham um endividamento líquido superior ao limite legal de endividamento em 2012. d) Análise do problema da constitucionalidade da norma objeto de fiscalização: A autonomia local e a contratação de “pessoal próprio” 12. Sobre a garantia de «quadros de pessoal próprio» das autarquias (artigo 243.º, n.º 1, da Constitu- ição) como um dos elementos constitutivos da autonomia local da República Portuguesa já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 494/15, do Plenário, cuja fundamentação se reproduz e acompanha (pontos 16 a 18, itálicos aditados): «16. A autonomia em matéria de pessoal é um dos “elementos” constitutivos da autonomia local consagrada na Cons- tituição (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 750) e abrange o poder de as autarquias disporem de “quadros de pessoal próprio”, ou seja, distintos dos do Estado ou das Regiões (artigo 243.º, n.º 1, da Constituição). A existência de mapas de pessoal próprio significa que os trabalhadores “das autarquias não são funcionários do Estado, mas delas mesmas ; cada autarquia tem um corpo próprio de funcionários, independente do Estado e das demais autarquias. Por outro lado, as autarquias podem criar autonomamente, nos limites da lei, os seus quadros de pessoal necessário para a gestão das suas atividades, segundo o princípio da liberdade de escolha do sistema de organização” (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, p. 750). Como se afirma no Preâmbulo da Carta Europeia de Autonomia Local, esta “supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão”. Estabelece o artigo 9.º, n.º 1, desta Carta que “as autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições”. Nestes recursos incluem-se os recursos financeiros, mas também os recursos humanos necessários e adequados à “prossecução dos interesses próprios das populações”. Aos trabalhadores em funções públicas das autarquias locais é aplicável o mesmo regime jurídico do dos trabalhadores do Estado, “com as adaptações necessárias, nos termos da lei” (artigo 243.º, n.º 2) “tanto no que respeita ao regime cons- titucional como no que se refere ao regime legal”. As “adaptações necessárias” salvaguardam, no entanto, “regimes próprios

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