TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

825 acórdão n.º 688/19 referentes à constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração local” e a “autonomia contratual” (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit. , p. 750). Assim, “a equivalência de regimes jurídicos não obsta a que o legislador disponha de modo diverso para os trabalhadores da administração local. Não exclui a diferenciação de regimes laborais. Não por acaso, por isso, o n.º 2 alude às ‘necessárias adaptações’” (J. Miranda/ A. Fernanda Neves, anotação ao artigo 243.º, in Constituição Portuguesa Anotada, J. Miranda/ R. Medeiros (org.), t. III, Coimbra Editora, 2007, p. 508). 17. Como já se teve oportunidade de referir, a autonomia local, constitucionalmente garantida, visa “a prosse- cução de interesses próprios das populações respetivas” (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). É nesse contexto que a lei define as atribuições das autarquias (artigo 237.º, n.º 1), em domínios, áreas ou matérias determinadas, como o ordenamento do território, o ambiente, a cultura, a ação social, a proteção civil ou a educação (cfr. os artigos 7.º e 23.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro). Para- lelamente, a Constituição consagra dimensões ou elementos constitutivos da autonomia, decorrentes do princípio da autonomia local, que garantem que o desempenho pelas autarquias, como entes democráticos locais, das suas atribuições não se encontra indevidamente condicionado pelo Governo (a autonomia orçamental, regulamentar, ou de pessoal). A existência de órgãos das autarquias com legitimidade democrática direta – que são eleitos pela população local e perante esta responsáveis – seria incompatível com a sujeição da sua organização ou funciona- mento a uma qualquer relação de hierarquia ou sujeição a tutela de mérito pela administração do Estado. Caso contrário, os titulares do poder local poderiam ser politicamente responsabilizados por opções que não foram por si livremente tomadas. Encontrando-se a autonomia local, tal como consagrada na Constituição, funcionalmente ligada à prossecução dos interesses próprios das populações (artigo 235.º, n.º 2), também os elementos dessa autonomia, onde se insere a autonomia em matéria de pessoal, são instrumentais face às atribuições das autarquias e essenciais para a sua prossecução. Um desses elementos, a autonomia financeira das autarquias locais, já foi “pacificamente reconhecida como um pressuposto da autonomia local”, sem a qual “não há condições para uma efetiva autonomia”, pelo Tri- bunal Constitucional (Acórdão n.º 631/99, n.º 5). Como se afirma no Acórdão n.º 398/13, n.º 3, ainda quanto à proteção constitucional da autonomia financeira das autarquias locais: “A consagração constitucional da autonomia local traduz (…) o reconhecimento da existência de um con- junto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas circunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos. Este reco- nhecimento tem pressuposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e receitas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente, dos interesses específicos e próprios das respetivas populações. Assim, para que possam levar a cabo o conjunto de tarefas que estão incluídas nas suas atribuições e competências, é colocada à disposição das autarquias locais um conjunto de mecanismos legais e operacionais suscetíveis de as tornarem exequíveis, designadamente a possibilidade de disporem de património e receitas próprias, gozando, assim, de autonomia financeira.” O mesmo raciocínio é aplicável à autonomia local em matéria de pessoal, constante no artigo 243.º da Constituição, e decorrente da consagração do princípio da autonomia local pelo artigo 6.º da Constituição. 18. A garantia institucional da autonomia local pressupõe, pois, que as autarquias disponham de recursos huma- nos próprios e que gozem de liberdade na sua gestão e organização dos seus serviços , tendo também consequências quanto ao regime legal aplicável. Efetivamente, a definição pelo legislador do regime aplicável aos trabalhadores em funções públicas das autarquias locais e a sua aplicação “têm um limite no princípio da autonomia das autarquias locais (artigos 6.º, 235.º e 237.º)”, de onde decorre “a salvaguarda da individualidade jurídica das autarquias como sujeitos empregadores, de que é expressão a referência, no n.º 1, a ‘quadros próprios’, e exclui o poder dispositivo do Governo sobre os respetivos trabalhadores ou a intervenção na gestão das respetivas rela- ções de trabalho, sem prejuízo da verificação do cumprimento da lei em sede de tutela administrativa (artigo

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