TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

827 acórdão n.º 688/19 nacional, podem justificar compressões à autonomia local, no quadro jurídico-constitucional, à luz dos princípios Estado unitário, da solidariedade e da leal cooperação entre entes administrativos da República Portuguesa. 15. No entanto, é necessário verificar igualmente se o princípio da proporcionalidade se encontra res- peitado face ao grau de compressão do poder local que está envolvido. É certo que a norma em causa era apta a alcançar os objetivos propostos constantes no artigo 66.º, n.º 9, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, pois restringia a abertura de concursos para a contratação de novos trabalhadores em funções públicas, o que significa um controlo do aumento das despesas públicas. Já em termos de ponderação do nível de compressão da autonomia local, deve-se referir que a solução normativa tinha um carácter excecional (artigo 66.º, n.º 8) e transitório (porque constante de uma lei orça- mental, necessariamente de vigência temporária). Apesar disso, é de notar o grau intenso de interferência dos membros do Governo sobre a autonomia local decorrente da norma objeto de análise. Dependendo a abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações jurídicas de emprego público, no âmbito da administração autárquica, obrigatoria- mente, da concordância dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública, a ausência dessa anuência acarreta necessariamente a impossibilidade da contratação dos trabalha- dores em causa. A falta deste parecer levava à cominação da nulidade de todo o procedimento, fazendo incor- rer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar, bem como a redução nas transferências do Orçamento do Estado para a autarquia em causa em montante idêntico ao assim gasto. É também relevante que o conteúdo do parecer em causa não se encontra limitado a questões de legali- dade, o que significa que a norma atribui ao Governo o poder de condicionar decisivamente a decisão autárquica formulando juízos de mérito, conveniência ou oportunidade relativamente à abertura do con- curso. Ora, como se expõe no Acórdão n.º 494/15, do Plenário, pontos 23-24: «No domínio da gestão de pessoal – porque se trata de um elemento constitutivo da autonomia local – é dificil- mente justificável a existência de mecanismos de codecisão ou ponderação administrativa de interesses, cabendo a sua regulação e eventual compressão ao legislador democrático, dentro dos limites constitucionais. As autarquias, ao atua- rem neste contexto estão a exercer a sua autonomia constitucionalmente protegida – que não pode ficar dependente de autorização, confirmação ou outro tipo de controlo estatal do mérito da sua atuação. O propósito da consagração constitucional da existência de pessoal próprio, dotado de um regime legal adaptado à realidade autárquica, é precisa- mente a garantia do caráter autónomo da administração local, permitindo às autarquias não depender da hierarquia da administração central no seu relacionamento (singular ou coletivo) com os respetivos trabalhadores. (…) a mera inexistência da faculdade dos membros do Governo de dar ordens ou emitir diretivas à entidade autárquica não basta para se considerar respeitada a garantia da autonomia local. Se a Constituição limita a tutela administrativa sobre as autarquias à ‘verificação do cumprimento da lei’, pode daí retirar-se uma conclusão mais abrangente: a rejeição constitucional de uma intervenção controladora do mérito da atuação autárquica no que respeita aos seus poderes de autonomia.» 16. A norma decorrente dos nos n. os  6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, consagra um poder de intervenção governamental quanto à abertura de procedimentos concursais para a constituição de relações jurídicas de emprego público que está previsto no âmbito da administração direta e indireta do Estado – onde pode encontrar justificação nos poderes de direção e de superintendência que sobre estas o Governo exerce. No entanto, a norma objeto de fiscalização de constitucionalidade manda aplicar esse regime à administração autárquica, que tem garantias especiais de autonomia consagradas no texto da Lei Fundamental, nomeadamente em termos de ter «quadros de pessoal próprio», não respeitando o estatuto próprio do poder local previsto na Constituição. Suscita-se aqui, neste âmbito, a problemática da tutela administrativa do Governo sobre as autarquias locais. Efetivamente, limitando a Constituição a tutela neste caso à «verificação do cumprimento da lei»

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