TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

828 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (artigo 242.º, n.º 1), a considerar-se que estamos em presença de uma forma de tutela do mérito da atuação dos poderes locais, esta seria indubitavelmente inconstitucional. Analisando o conteúdo e o alcance da solução normativa em presença, pode concluir-se que dela resulta o estabelecimento de uma relação tutelar (ou, pelo menos, para-tutelar), atribuindo ao Governo o poder de condicionar a prática de atos na gestão das autarquias. A lei atribui competência a membros do Governo para a emissão de um parecer necessário (e necessariamente favorável) para que as autarquias exerçam o seu poder de abertura de procedimentos concursais com vista à constituição de relações jurídicas de emprego público. É um poder governamental de controlo prévio sobre a atuação do empregador público autárquico que não se limita a um mero controlo de legalidade – sendo, por isso, violadora da Constituição. 17. É importante ter em conta que existiam formas alternativas de a lei prosseguir os interesses públicos em causa, restringindo, condicionando ou limitando o poder dos empregadores públicos autárquicos de abertura e condução de procedimentos concursais de emprego público dentro dos limites da Constituição. Por exemplo, seria possível estabelecer um procedimento administrativo mais exigente, com o envolvimento do órgão deliberativo autárquico, ou impondo condicionalismos orçamentais ou financeiros, que garantam a sua compatibilidade com o objetivo da contenção da despesa pública. Nesse caso, terá o Governo legiti- midade para, no exercício dos seus poderes de controlo, averiguar do cumprimento das restrições legais. A lei também pode impor deveres de reporte de informações detalhadas sobre o pessoal das autarquias à administração central. Estes são instrumentos admissíveis para o equilíbrio entre a prossecução dos interesses públicos supralocais e a autonomia local em termos de pessoal (artigo 6.º, n.º 1, e artigo 243.º, n. os  1 e 2, da Constituição). Neste contexto, a Lei das Finanças Locais vigente à época (a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n. os   22-A/2007, de 29 de junho, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 22/2012, de 30 de maio) previa, no seu artigo 4.º, n.º 7, que «com vista a assegurar a consolidação orçamental das contas públicas, em situações excecionais e transitórias, podem ser estabelecidos, por lei, limites à prática de atos que determinem a assun- ção de encargos financeiros com impacte nas contas públicas pelas autarquias locais, designadamente: a) O recrutamento de trabalhadores;». E o n.º 8 do mesmo preceito previa a possibilidade de se estabelecerem, «por lei, deveres de informação e reporte tendo em vista habilitar as autoridades nacionais com a informação agregada relativa, nomeadamente, à organização e gestão de órgãos e serviços das autarquias locais, ao recru- tamento de trabalhadores e à celebração de contratos de aquisição de serviços pelos vários órgãos e serviços das autarquias locais». É também a essa luz que deve ser lido o regime estabelecido no artigo 67.º, n.º 1, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, que impedia as autarquias em situação de desequilíbrio financeiro estru- tural ou de rutura financeira ou equivalente violação das regras orçamentais proceder à abertura de «proce- dimentos concursais com vista à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeter- minado, determinado ou determinável, para carreira geral ou especial e carreiras que ainda não tenham sido objeto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, destinados a candidatos que não possuam uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente constituída». O regime assim estabelecido, no entanto, era bastante próximo do consagrado para as restantes autarquias, prevendo, no artigo 67.º, n.º 3, a possibilidade de abertura de concurso após uma autorização excecional e fundamentada dos «membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração local (…) ao abrigo e nos termos do disposto nos n. os   6 e 7 do artigo 6.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro», desde que verificado um conjunto de requisitos em tudo idênticos aos constantes no artigo 66.º, n.º 2, da mesma Lei. As contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas em violação deste regime eram, também neste caso consideradas nulas, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar (artigo 67.º, n.º 6).

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