TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

840 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Consequentemente, verifica-se uma desconformidade evidente entre a interpretação normativa indicada pelo recorrente como objeto do recurso e aquela que constituiu ratio decidendi da douta decisão recorrida, havendo que concluir não ter ocorrido, por parte do tribunal a quo , a efetiva aplicação da interpretação normativa impugnada. 10. Assim sendo, revelando-se materialmente desconformes as interpretações normativas em apreciação, não poderá o Tribunal Constitucional deixar de constatar a inexistência de um pressuposto essencial dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, qual seja, o de que a norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo tenha sido efetiva ratio decidendi da decisão recorrida. 11. Por força do acabado de expor, verificando-se a omissão de um pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Pro- cesso do Tribunal Constitucional, qual seja, o da efetiva aplicação da norma impugnada, afigura-se-nos que deverá o Tribunal Constitucional, no caso vertente, decidir pelo não conhecimento do objeto do recurso. 12. Para a hipótese, que devemos admitir, de assim se não entender, não deixaremos de procurar analisar a substância da questão suscitada pelo recorrente, sem prejudicar, ainda assim, a conclusão processual anteriormente alcançada. 13. Atendendo à conformação da problemática trazida pelo recorrente aos autos, verifica-se que a satisfação do reclamado direito fundamental ao contraditório que, no entendimento do impugnante, passa pela autorização de acesso irrestrito a todos os elementos que integram os autos surgidos posteriormente à aplicação da medida coativa de prisão preventiva – que possam ter servido de fundamento à pretensão do Ministério Público –, apenas poderá ser alcançada mediante o sacrifício do segredo de justiça, valor constitucionalmente consagrado no n.º 3 do artigo 20.º da Lei Fundamental, e, reflexamente do sacrifício dos interesses – igualmente protegidos pela Constituição – na realização da justiça e na descoberta da verdade material, no restabelecimento da paz social e jurídica, na pro- moção do combate à atividade criminosa e, bem assim, na proteção da segurança dos cidadãos. 14. Ora, conforme já tivemos ocasião de observar, também na presente colisão de bens constitucionalmente protegidos, que aqui se delineia, porque não se pode estabelecer, em abstrato, uma hierarquia entre o direito do arguido ao contraditório e o interesse da comunidade na proteção do segredo de justiça enquanto instrumento de descoberta da verdade material, do restabelecimento da paz social e jurídica e de proteção da segurança dos cida- dãos, não poderemos deixar de recorrer a um processo de harmonização e de concordância prática dos termos em confronto como meio de resolução do conflito normativo. 15. Procurando aplicar as soluções preconizadas pela jurisprudência constitucional ao caso vertente, começa- remos por constatar que os princípios colidentes não podem, concreta e simultaneamente, ser satisfeitos na totali- dade (evidência que é pressuposto da ocorrência da colisão), uma vez que qualquer acesso do arguido a elementos do processo posteriores à decisão sobre a aplicação da medida coativa de prisão preventiva constitui uma limitação do correspondente valor do segredo processual, sendo que o acesso total e irrestrito a tais elementos representaria o absoluto esvaziamento do conteúdo do segredo de justiça. 16. Assim sendo, procuraremos agora identificar quais as dimensões de concretização dos interesses constitu- cionalmente protegidos em confronto, e de que modo tais faculdades veem maximizada a tendência expansiva e de otimização que caracteriza os princípios constitucionais ou, pelo contrário, resultam limitadas, cerceadas ou mesmo inoperantes. 17. Para tanto, não deveremos esquecer, para além do mais, que o exercício do contraditório reivindicado pelo recorrente recai sobre a pretensão do Ministério Público de ver elevados os prazos da prisão preventiva – cujos pres- supostos já foram, anteriormente, apreciados pelo tribunal (e voltarão a ser em sede de reexame) e sobre os quais o arguido, ora impugnante, já teve ocasião de se pronunciar, com recurso aos necessários elementos constantes dos autos – , por força da declaração da excecional complexidade do processo e não sobre a adequação da própria medida coativa ou sobre os seus pressupostos. 18. Com efeito, não podemos deixar que um debate incidente sobre o grau de complexidade do processo conducente à revelação da verdade material dos factos seja contaminado pela discussão sobre as condições e pres- supostos da imposição da mais invasiva – há que reconhecê-lo – das medidas coativas, ignorando, ainda assim, que

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