TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

841 acórdão n.º 689/19 a discussão que se trava recai sobre uma medida meramente processual, uma dimensão adjetiva do dissídio, e não sobre os pressupostos e os requisitos substantivos da aplicação da prisão preventiva. 19. Dito isto, apercebemo-nos de que a satisfação da pretensão do recorrente de acesso irrestrito ao conteúdo dos autos aniquilaria, em absoluto, o interesse público e comunitário na preservação do segredo de justiça, amea- çando, desse jeito, os fundamentos dos procedimentos de investigação criminal e arriscando, para além do mais, comprometer, definitivamente, a descoberta da verdade material, uma vez que tornaria pública a estratégia proces- sual do Ministério Público, patenteando quais as diligências probatórias já realizadas e quais aquelas que ainda se encontram em curso, evidenciando debilidades e omissões cuja suscetibilidade de correção se encontra dependente do tempo, fornecendo, enfim, ao arguido, o conhecimento de pistas investigatórias que poderão ser inviabilizadas, precocemente, por ação ainda que legítima, do arguido. 20. Por outro lado, no extremo oposto, o inegável direito do arguido ao contraditório não se encontra, no que à declaração da excecional complexidade do processo concerne, significativamente afetado pela limitação do acesso irrestrito aos elementos adquiridos para o processo após a decisão de imposição da medida coativa de prisão pre- ventiva, uma vez que o debate que aqui releva não se prende com os pressupostos desta medida – embora a decisão de reconhecimento da excecional complexidade nela produza efeitos, ao permitir a elevação do seu prazo – mas sim com os pressupostos elencados a título exemplificativo no n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal. 21. Na verdade, no que à medida coativa de prisão preventiva concerne, os elementos relevantes para a pronún- cia e, consequentemente, para o cabal exercício do direito ao contraditório, já foram, anteriormente, comunicados ao arguido/recorrente. Concordantemente, no que à excecional complexidade do processo respeita, os elementos processuais necessários foram-lhe, igualmente, comunicados pelo Ministério Público, e corroborados pelo Mm.º Juiz de Instrução, e respeitam, fundamentalmente, ao número de arguidos, ao número de crimes sob investigação e à quantidade e qualidade das diligências probatórias realizadas e, essencialmente, por efetuar. 22. Ou seja, a recusa do acesso irrestrito aos elementos probatórios juntos aos autos após a decisão da imposição da medida coativa de prisão preventiva, por parte do arguido/recorrente, não o impede de contestar, fundamentada e esclarecidamente, a pretensão da declaração de excecional complexidade do processo, manifestada pelo Ministé- rio Público, tanto mais que os dados relevantes para tal exercício, resultam do requerido por este e não dependem do conhecimento da matéria probatória recolhida nesta fase processual. 23. Diferentemente, a total abertura dos autos ao conhecimento do arguido, nesta fase processual, para além de nada acrescentar de relevante às valências processuais do recorrente, pode revelar-se, conforme já procurámos demonstrar, fatal para a boa prossecução da investigação e do inquérito e, mediatamente, para a descoberta da ver- dade material, a realização da justiça e, bem assim, para o restabelecimento da paz social e a proteção da segurança dos cidadãos. 24. Em face do acabado de expor, sustentamos que, caso entenda conhecer do objeto do presente recurso, não deverá o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n. os 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação de que promovendo o Ministério Público a especial complexidade do processo, o arguido não tem direito de aceder aos elementos de prova em que se funda a pretensão do Ministério Público mesmo que o requeira a fim de emitir pronúncia. 25. Por força do explanado, e reiterando o já afirmado, entendemos que não deverá o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do presente recurso ou, caso assim não o venha a entender, não deverá julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n. os 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação de que promovendo o Ministério Público a especial complexidade do processo, o arguido não tem direito de aceder aos elementos de prova em que se funda a pretensão do Ministério Público mesmo que o requeira a fim de emitir pronúncia, que, segundo o recorrente, terá sido aplicada nos autos, negando, assim, provimento ao recurso.» Cumpre apreciar e decidir.

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