TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

842 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação A. Questão prévia: do conhecimento do recurso 10. OMinistério Público, nas alegações que apresentou, pugna pelo não conhecimento do presente recurso por entender que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi , a norma que o recorrente pretende ver fiscalizada. Fundamenta o seu pedido no entendimento de que o tribunal recorrido não teria negado a possibi- lidade de acesso do recorrente a elementos de prova de que o Ministério Público faz depender a sua pretensão, tendo antes rejeitado o pretendido «direito de aceder a todos os elementos surgidos posteriormente à aplicação da medida de coação e que podem fundamentar a declaração de [excecional] complexidade do processo». Uma tal discrepância, representando uma desconformidade entre a interpretação normativa indicada pelo recorrente como objeto do recurso e aquela que constituiu ratio decidendi da decisão recorrida, conduz à conclusão de não ter ocorrido, por parte do tribunal a quo, a efetiva aplicação da interpretação normativa impugnada. 11. A aplicação da norma ou dimensão normativa objeto do recurso pela decisão a quo como ratio decidendi é considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva- -se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, despoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida. Em consonância, no caso de se revelar que a interpretação sindicada pelo recorrente não foi adotada pela decisão recorrida, um eventual julgamento de inconstitucionalidade que sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo, razão pela qual se imporia o não conhecimento do recurso. 12. Não é essa, no entanto, a situação do presente recurso. Como decorre do relato do processado acima efetuado (vide ponto 6), o recurso objeto do presente processo incidiu não apenas sobre o despacho que não permitiu o acesso do arguido aos autos, como tam- bém sobre a decisão que declarou a excecional complexidade do processo. Na tese do recorrente, esta última decisão estaria ferida de nulidade por não lhe ter sido concedido acesso aos autos, ficando deste modo pre- terido do exercício do contraditório, que só seria possível através da consulta dos elementos que fundaram a pretensão do Ministério Público. Ora, para decidir esta questão, refere o tribunal a quo, louvando-se do despacho então recorrido, que «o exercício do contraditório quanto à promovida declaração de excecional complexidade dos autos não exige o conhecimento efetivo do conteúdo de cada um dos atos processuais praticados num processo sujeito a segredo de justiça, apenas a sua composição e objeto genérico». De seguida, conclui: «efetivamente, o parti- cular direito de audição do arguido nos temos do artigo 215.°, n.º 4, do Código de Processo Penal (CPP), em face das normas processuais aplicáveis, é cumprido com o mero conhecimento pelo arguido de que a questão da excecional complexidade vai ser apreciada, permitindo ao arguido que venha alegar o que tiver por con- veniente, ficando apenas a conhecer as respetivas razões no despacho a proferir após tal audição, despacho sujeito a recurso. Mostra-se assim concretizado o direito de audição do arguido». Consequentemente, recusou a verificação de qualquer nulidade na decisão de declaração de excecional complexidade, entendendo mostrarem-se «cumpridas todas as formalidades legais, e na substância não se vis- lumbra neste procedimento qualquer prejuízo para o arguido que pudesse colocar em causa o seu direito de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=