TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

846 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dão suporte axiológico ao direito de audição, arredando qualquer justificação, no plano da legitimidade constitucional, de uma interpretação que a dispense» (ponto 10 do Acórdão). Com efeito, entre os direitos de defesa que o processo criminal deve assegurar, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, conta-se «o direito do arguido “a ser ouvido”», enquanto direito a dispor de opor- tunidade processual efetiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões que o afetem. Este direito tem um enquadramento constitucional específico pois «a enunciação maximizante do direito de defesa tem de ser compreendida como uma manifestação qualificada, em processo criminal, do direito a tutela jurisdi- cional efetiva (artigo 20.º da CRP), englobante do direito a um processo equitativo, pelo que dele decorre necessariamente um direito de audição, materialmente imposto pela conformação processual ao princípio do contraditório (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição)» (ponto 10 do Acórdão n.º 555/08). É neste enquadra- mento que o Tribunal afirma que «se o direito de audição tem uma extensão geral a todos os atos suscetíveis de afetar a posição do arguido (…), a sua efetivação é constitucionalmente exigível de forma particularmente intensa quando estão em causa decisões judiciais que, de forma direta (imediata ou não), têm como resultado a privação de liberdade daquele sujeito» (ponto 10 do Acórdão). Concluiu o Tribunal, ainda no ponto 10, que «estando em causa, a subsunção dos factos num novo quadro legal – o da excecional complexidade do procedimento – suscetível de conduzir diretamente ao alar- gamento da duração da prisão preventiva, ao arguido deveria ter sido dada oportunidade de refutar a verifi- cação dos pressupostos legais dessa qualificação e a adequação e necessidade dessa medida. O promanar esta de iniciativa oficiosa do juiz e não de promoção pelo Ministério Público em nada altera esta valoração, pois o princípio do contraditório não visa apenas assegurar a igualdade de armas (em relação àquela entidade), mas, mais amplamente, garantir (neste caso, ao arguido) “uma influência efetiva no desenvolvimento do processo” (Gomes Canotilho/Vital Moreira,  ob. loc. cit. )». Por esse motivo, julgou o Tribunal que a interpretação do artigo 215.º, n.º 4, do CPP no sentido de que essa audição prévia não é obrigatória padece de inconstitucionalidade. 18. Ainda neste âmbito, mas relativamente a outro aspeto, foi prolatado o Acórdão n.º 105/18, da 1.ª Secção. Aqui, foi o Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da «interpreta- ção extraída da conjugação dos artigos 118.º, n. os  1 e 2, 123.º, n.º 1, e 215.º, n. os  3 e 4, todos do Código de Processo Penal (CPP), conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedi- mento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração». Tratava-se, portanto, de saber «se a solução normativa, preconizada no critério sob sindicância, se encontra compreendida no âmbito da liberdade de conformação do legislador infraconstitucional» o que se reconduz, «no fundo, à averiguação sobre se a modalidade e intensidade da violação do direito em causa – especificamente, o direito ao exercício do contraditório – vincula, constitucionalmente, à consagração de uma solução mais grave – no âmbito dos vícios de incumprimento das disposições legais – do que a irregu- laridade» (ponto 7 do Acórdão). Procurando responder àquela questão, o Tribunal sublinhou que naquele recurso não era problematizada a obrigatoriedade de estabelecimento do contraditório. Pelo contrário, esta estava pressuposta, a ponto de ser considerado assente que o incumprimento dessa imposição se traduz num vício, limitando, por conseguinte, a questão a decidir como reportada à suficiência, em termos de exigências constitucionais, da qualificação do vício em causa como irregularidade. Concluiu oTribunal Constitucional pela não inconstitucionalidade da dimensão normativa identificada, por referência ao artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, entendendo que a cominação da mera irregularidade, neste caso, se integrava ainda na margem de conformação do legislador, respeitando o equilíbrio constitucio- nalmente imposto entre os direitos em causa. Para aquilatar da referida suficiência, relevou a circunstância de o vício em causa – a preterição do ato obrigatório de audição prévia do arguido – ser facilmente detetável e a sua invocação não exigir uma especial análise do processo, pelo que o regime legal convocável por via da sua

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