TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

847 acórdão n.º 689/19 qualificação como irregularidade não se traduz num ónus excessivo ou desproporcionado, impendente sobre o arguido prejudicado pelo vício. Encontrando-se a reposição da legalidade, relativamente ao cumprimento efetivo da formalidade de audição, prevista no artigo 215.º, n.º 4, do CPP, apenas dependente da arguição do respetivo vício pelo arguido, nos termos plasmados no artigo 123.º, n.º 1, do referido diploma, e encon- trando-se o mesmo assistido por defensor, não se vislumbrou que esse condicionamento extravase o âmbito de conformação confiado ao legislador. Considerou-se legítimo que este opte por não colocar todos os vícios no mesmo plano, «gradua[ndo] os seus efeitos de acordo com a respetiva gravidade», como pode ler-se no Acórdão n.º 429/95, da 1.ª Secção, ponto 10 (expressão posteriormente citada pelo Acórdão n.º 350/06, 2.ª Secção, ponto 2.5, e pelo Acórdão n.º 105/18, da 1.ª Secção, ponto 7), tendo em conta a necessidade de equilíbrio entre a realização da pretensão punitiva do Estado e a tutela de direitos fundamentais dos arguidos. 19. A questão que nos ocupa no âmbito deste processo é diferente da apreciada nestes Acórdãos. A obrigatoriedade de a defesa ser ouvida antes de ser tomada a decisão que reconhece a excecional complexi- dade ao processo – decorrente, claramente, da jurisprudência deste Tribunal – não é colocada em causa pela questão de constitucionalidade que nos ocupa. Da mesma forma, não se trata de questionar a qualificação do vício que resulta da preterição desse contraditório. iii) Apreciação da questão de constitucionalidade 20. A garantia do contraditório de nada vale se este não for acompanhado de um determinado grau de acesso à informação, que seja considerado suficiente, sobre a qual a defesa se pronuncia. O contraditório exercido perante uma “folha em branco” acaba esvaziado de conteúdo efetivo por não permitir ao arguido pronunciar-se sobre a questão sobre a qual deve ser ouvido. É, assim, essencial para a efetividade do exercício do contraditório determinar a informação que deve ser disponibilizada ao arguido, em cada contexto, à luz das garantias constitucionais do arguido. É nesse âmbito que se insere o objeto do presente recurso: qual o grau de acesso a elementos de prova constantes do processo que o arguido deve ter para garantir a efetividade do exercício do contraditório antes da decisão que reconhece a excecional complexidade ao processo. Importa, em especial, saber se o direito ao contraditório implica o direito de aceder aos elementos de prova em que se funda a pretensão do Ministério Público de pedir a declaração de excecional complexidade. No caso presente, entende o recorrente que para se pronunciar sobre a verificação dos requisitos da declaração de excecional complexidade o arguido tem de conhecer os elementos que sustentam o pedido formulado pelo Ministério Público. Não aceita, por isso, a decisão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão de primeira instância, lhe negou o acesso aos autos para consulta, por o inquérito sujeito a segredo de justiça. Entendeu o Tribunal da Relação que, em caso de requerimento de declaração de excecional com- plexidade, o direito de audição se cumpre com a notificação do requerimento do Ministério Público. Assim, a questão que se coloca, no presente processo, é saber se a Constituição impõe um acesso irres- trito aos autos, ou ao menos o acesso a todos os elementos de prova de que o Ministério Público fez depender a sua pretensão de declaração da excecional complexidade do inquérito, o que é o mesmo que dizer «todas as peças processuais enunciadas na promoção do Ministério Público como fundamento da declaração de excecional complexidade do processo». 21. A resposta a esta questão passa pela identificação dos interesses contrapostos ao contraditório irres- trito, o que convoca de imediato a dimensão constitucional da tutela do segredo de justiça, como valor constitucional justificativo de limitações de acesso ao processo. Trata-se de uma matéria já tratada pela jurisprudência constitucional. Como o Tribunal deixou exausti- vamente explanado no Acórdão n.º 428/08, da 2.ª Secção:

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