TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

848 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «2.1. A regulação do segredo de justiça em processo penal – quer na vertente interna, respeitando aos parti- cipantes processuais diretamente envolvidos na concreta relação processual, quer na vertente externa, reportado à generalidade das pessoas, estranhas a essa relação processual – convoca, com particular acuidade, “a tarefa de concordância prática das finalidades, irremediavelmente conflituantes, apontadas ao processo penal: a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a proteção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento, tão rápido quanto possível, da paz jurídica posta em causa pelo crime e a consequente reafir- mação da validade da norma violada” (Maria João Antunes, “O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coação”, em Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, pp. 1237‑1268). Num processo penal constitucionalmente conformado, como o português, “numa estrutura acusatória inte- grada pelo princípio da investigação”, a necessidade de harmonização das apontadas finalidades justifica soluções diferenciadas consoante as fases por que se desenrola o processo, tendo em conta o diferente peso relativo que lhes deve ser atribuído em cada uma delas, compreendendo‑se uma evolução em que o predomínio do princípio do segredo sobre o princípio da publicidade, típico da fase preliminar da investigação, vá gradualmente evoluindo para o predomínio do princípio da publicidade, típico da fase da audiência de julgamento, “sem perder de vista que em cada um destes momentos processuais vale sempre, mas com intensidade diferente, o princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. “Assim – refere a mesma autora (estudo citado, p. 1244), tendo por referência a redação do Código de Processo Penal de 1987 emergente da revisão de 1998 –, o princípio da publicidade tem a sua expansão máxima, é dizer as limitações mínimas, na fase de julgamento (artigos 206.º da Constituição da República Portuguesa – CRP – e 86.º, n.º 1, do CPP), podendo concluir‑se pela der- rogação deste princípio, embora com limites, na fase de inquérito (artigos 20.º, n.º 3, da CRP, e 86.º, n. os 1 e 4, e 89.º, n.º 2, do CPP)”, “[d]ependendo a maior ou menor publicidade da fase de instrução da circunstância de ter sido (ou não) requerida apenas pelo arguido e de este não declarar (ou declarar) que se opõe à publicidade (artigo 86.º, n.º 1, parte final, do CPP)”. Porém, nem num extremo nem no outro do iter processual, o princípio dominante, seja ele o do segredo ou o da publicidade, tinha valor absoluto. Se, tendo em conta as finalidades do julgamento, se justificava a consagração do princípio da publicidade nessa fase, até porque nela o princípio da presunção de inocência coexiste com uma acusação e um despacho de pronúncia, no entanto, mesmo aí, tal princípio “sofre as limitações que sejam neces­ sárias para salvaguardar certos direitos das pessoas e para garantir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, por via do normal funcionamento dos tribunais”: assim, por exemplo, a publicidade dos atos processuais que integravam a fase do julgamento não abrangia os dados relativos à vida privada que não constituíssem meios de prova (artigo 86.º, n.º 3); o juiz podia restringir a livre assistência do público aos atos processuais ou determi- nar que o ato, ou parte dele, decorresse com exclusão da publicidade, sempre que tal fosse necessário para evitar a produção de grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do ato (artigo 87.º, n. os 1 e 2), sendo a exclusão da publicidade a regra nos processos por crime sexual que tivessem por ofendido um menor de 16 anos (artigo 87.º, n.º 3). (…) Quanto à fase do inquérito, sempre foi entendimento que nela se impunha a derrogação do princípio da publi- cidade, “importando salientar que esta derrogação está até constitucionalmente legitimada, a partir das alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, uma vez que o artigo 20.º, n.º 3, da CRP passou a prever que «a lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça»”, como salienta Maria João Antu- nes ( estudo citado , p. 1244), que acrescenta: “Justifica‑se aquela derrogação tendo em conta que o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a submissão (ou não) da causa a julgamento, sendo praticados os actos e assegurados os meios de prova necessários à realização destas finalidades (artigos 262.º, n.º 1, e 267.º do CPP); que esta é uma fase cuja abertura depende da mera aquisição da notícia do crime (artigos 241.º e 262.º, n.º 2, do CPP); e tendo, ainda, em conta que é só no momento do encerramento do inquérito que é feita uma

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