TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

849 acórdão n.º 689/19 avaliação no sentido de saber se foram recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, se foi recolhida prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento ou se não foi possível obter indícios suficien- tes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes (artigos 276.º, 277.º e 283.º do CPP). Numa palavra, esta é uma fase em que para a realização da justiça e a descoberta da verdade material importa assegurar uma investigação da notícia do crime que não corra o risco de ser perturbada, ou mesmo irremediavelmente prejudicada, por fatores exteriores à administração da justiça penal, ao mesmo tempo que importa tutelar de forma efetiva a presunção de inocência do arguido, o que é também uma forma de lhe garantir o direito ao bom nome e reputação (artigos 26.º, n.º 1, da CRP e 180.º do Código Penal), numa fase processual onde vale, por excelência, o mandamento constitucional de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). No inquérito, o princípio da publicidade é derrogado por ser outra a forma como se procede à concordância prática das finalidades processuais conflituantes e por ser também outra a forma como se concretiza a ponderação dos direitos conflituantes que engrossam o catálogo dos direitos dos cidadãos que cabe ao processo penal salvaguardar. Uma outra forma que é ditada, num caso, pelo êxito da investigação da notícia do crime, especialmente no que diz respeito à aquisição e à conservação da prova e, noutro, por o princípio da presunção de inocência do arguido valer em termos absolutos.” Também Frederico de Lacerda da Costa Pinto (“Segredo de justiça e acesso ao processo”, em  Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais , Coimbra, 2004, pp. 67‑98), após demonstrar que a natureza tendencial- mente secreta da fase do inquérito e a natureza tendencialmente pública da fase do julgamento se compreende em função dos propósitos e das finalidades de cada uma dessas fases, salienta que “a vigência do segredo de justiça nas fases preliminares do processo penal é plurisignificativa no plano axiológico: trata‑se, por um lado, de um meca- nismo destinado a garantir a efetividade social do princípio da presunção de inocência do arguido, durante fases processuais que ainda estão cronologicamente distantes do julgamento, julgamento esse que pode, inclusivamente, nem vir a ter lugar por força dum arquivamento do processo (artigo 277.º) ou duma não pronúncia (artigo 308.º, n.º 1,  in fine ); noutro plano, é uma forma de garantir condições de eficiência da investigação e de preservação de possíveis meios de prova, quer a prova obtida quer a eventual prova a obter; finalmente, como variante específica deste último aspeto, o segredo de justiça pode assumir igualmente uma função de garantia para pessoas que inter- vêm no processo – em particular as vítimas e as testemunhas – que, de outra forma, poderiam ficar numa fase preliminar do processo expostas a retaliações e vinganças de arguidos ou pessoas que lhes sejam próximas”. O caráter predominantemente secreto da fase do inquérito não obstava, porém, como os citados autores subli- nham e a jurisprudência deste Tribunal proclamou, ao acesso do arguido aos elementos de prova sempre que tal acesso se mostrasse necessário para a eficácia da defesa dos seus direitos nessa fase, designadamente para contraditar – e, sendo caso, impugnar – a necessidade da aplicação de medidas de coação, nomeadamente a sujeição a prisão preventiva. No Acórdão n.º 416/03, retomando doutrina já expressa no Acórdão n.º 121/97, teve‑se por constitu- cionalmente intolerável que se considerasse sempre e em quaisquer circunstâncias interdito o acesso aos elementos probatórios que foram determinantes para a imputação dos factos, para a ordem de detenção e para a proposta de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, com alegação de potencial prejuízo para a investigação, protegida pelo segredo de justiça, sem que se procedesse, em concreto, a uma análise do conteúdo desses elementos de prova e à ponderação, também em concreto, entre, por um lado, o prejuízo que a sua revelação pudesse causar à investigação e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação pudesse causar à defesa do arguido.» E prossegue ainda o mesmo Acórdão n.º 428/08, da 2.ª Secção: «2.3. A direta constitucionalização do dever de proteção do segredo de justiça ocorreu na revisão constitucio­ nal de 1997, com o aditamento ao artigo 20.º de um n.º 3, do seguinte teor: “A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça” (sem prejuízo de, desde a revisão de 1989, o n.º 1 do artigo 35.º prever como limite ao direito dos cidadãos de tomar conhecimento dos dados constantes de ficheiros ou registos informáticos

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