TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

85 acórdão n.º 464/19 Importa, porém, não esquecer que a ponderação, de acordo com o princípio da proporcionalidade, à luz do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se faz em moldes metodológicos semelhantes aos previstos na juris- prudência do TJUE (artigo 52.º, n.º 1, da CDFUE), e na jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 8.º da CEDH. Nestes termos, o artigo 52.º, n.º 1, da CDFUE, à semelhança do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, exige que a limitação de um direito fundamental, nomeadamente, dos direitos à vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados nos artigos 7.º e 8.º da Carta, esteja prevista na lei, respeite o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e seja justificada e necessária para a concretização dos objetivos de interesse geral reconhecidos pela UE ou para satisfazer uma necessidade de proteção dos direitos e liberdades de outrem. Uma vez delimitado o âmbito de proteção das normas constitucionais que consagram o direito à auto- determinação informativa, é agora o momento de apreciar a constitucionalidade das normas sindicadas começando pelas questões suscitadas pelos dados de tráfego, tendo em conta o maior grau de lesividade da intromissão nesse domínio. 11. A questão da constitucionalidade do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 Os dados de tráfego, cujo acesso está regulado no artigo 4.º, terão, na sequência do anteriormente exposto, de ser subdivididos em duas categorias: (i) os dados de tráfego associados a atos de comunicação intersubjetiva e às suas circunstâncias; (ii) e os dados de tráfego desligados de uma intercomunicação sub- jetiva, como é o caso da consulta de sítios na internet e dos atos de comunicação entre uma pessoa e uma máquina, ou entre máquinas. Esta segunda categoria de dados de tráfego de internet , embora não envolva comunicação intersubjetiva, exprime vários aspetos da personalidade e do comportamento dos utilizadores, pertencendo a cada pessoa o direito de escolha quanto à partilha, ou não, destas informações com terceiros, bem como o poder de vedar o acesso de terceiros a estes dados e de controlar quem tem acesso a eles e em que momento. Por isso mesmo, estes dados de tráfego encontram-se incluídos no âmbito objetivo de proteção das normas constitucionais atinentes à reserva de intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa, protegidas pelos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º da CRP. Como se disse atrás, as normas constantes dos n. os 1 e 4 do artigo 35.º da Constituição admitem exceções ao direito à proteção dos dados pessoais, nas várias dimensões em que ele se exprime, atribuindo poderes de regulação que estão sujeitos ao regime de restrição dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º da CRP). Porém, diversamente do tipo de restrição admitido pelo n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, que apenas autoriza a restrição do direito à inviolabilidade das comunicações em determinado domínio específico – “em matéria de processo penal” –, a restrição admitida pelo artigo 35.º ao direito à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informativa – através da expressão “nos termos da lei” – assume contornos distintos, menos exigentes, que conferem ao legislador uma maior margem de determinação. Quer dizer: no domínio normativo do artigo 34.º, a autorização constitucional expressa para a restrição é completada com a discriminação dos fins e interesses a prosseguir com a lei restritiva ou com o critério que deve balizar a intervenção do legislador ordinário; já quanto aos direitos fundamentais consagrados no artigo 35.º, a Constituição atribui uma competência genérica de regulação, podendo o legislador criar a restrição, tendo, no entanto, de sujeitar-se aos requisitos de legitimi- dade impostos pelo princípio da proporcionalidade, tal como decorre do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. 11.1. O acesso a dados de tráfego que envolvem comunicação intersubjetiva Quanto aos dados de tráfego abrangidos pelo sigilo das comunicações, como se assinalou, o legislador constituinte levou a cabo a sua própria ponderação, nos termos estabelecidos no n.º 4 do artigo 34.º Essa norma limita, como é sabido, a possibilidade de ingerência estadual nas comunicações ao âmbito do processo criminal. Importa, deste modo, indagar se existe alguma diferença relevante atinente ao sistema de acesso aos

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