TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

850 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a seu respeito o disposto na lei sobre segredo de Estado e segredo de justiça, e o n.º 2 do artigo 268.º prever como limite ao direito de acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos o disposto na lei em matéria relativa à investigação criminal). Esta inovação teve origem no Projeto de revisão constitucional n.º 5/VII, apresentado pelo PSD [ Diário da Assembleia da República ( DAR ), II Série‑A, Suplemento ao n.º 27, de 7 de março de 1996, pp. 484‑(44) a 484‑(60)], que preconizava a inserção de um n.º 2 no artigo 20.º da CRP, do seguinte teor: “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, à proteção do segredo de justiça, ao patrocínio judiciário e a fazer‑se acompanhar de advogado perante qualquer autoridade”. Como resulta claramente do debate parlamentar, a autonomização da proteção do segredo de justiça no atual n.º 3, ficando no n.º 2 a consagração dos restantes direitos previstos naquele projeto (direitos à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e ao acom- panhamento por advogado), visou primacialmente não reduzir a proteção do segredo de justiça a uma perspetiva de defesa dos direitos dos cidadãos, realçando‑se que tal proteção se justifica também por necessidade de assegurar a eficiência da investigação criminal e do exercício da ação penal, no âmbito da função fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático [artigo 9.º, alínea  b) , da CRP]. Visou‑se, assim, afastar uma conceção do segredo de justiça que o visse apenas como “direito individual”, fazendo realçar que o segredo “é relevante também para o Ministério Público e para a máquina judicial” (Deputado José Magalhães, DAR, II Série‑RC, n.º 75, de 16 de abril de 1997, p. 2176), que “o segredo de justiça é um valor estimável quer no âmbito da proteção dos direitos pessoais quer no âmbito da prote- ção do próprio processo de investigação e da atividade do Ministério Público” (Deputado Luís Sá, DAR citado , p. 2176). Para além de não qualificar, “de forma monodimensional, o segredo de justiça como um direito de parte”, mantendo‑se a sua “pluridimensionalidade (…) e, portanto, o seu caráter expansivo em várias dimensões”, a nova norma constitucional não pode ser lida como uma mera remissão para a total liberdade de conformação da pro- teção do segredo de justiça pelo legislador ordinário, antes a exigência da adequação dessa proteção encerra uma impostergável injunção no sentido de que a intervenção legislativa satisfaça as “quatro dimensões” da “adequação”: “uma proteção que tenha um nível de proteção suficiente, apropriado, pertinente e, finalmente, eficaz” (Depu­ tado José Magalhães, DAR citado , p. 2177). No sentido de a consagração constitucional da proteção adequada do segredo de justiça dever contemplar também a vertente da proteção da investigação criminal, cfr. ainda as interven- ções dos Deputados Odete Santos, Guilherme Silva e Luís Sá, no mesmo DAR , pp. 2179, 2180 e 2182. A inserção da imposição de proteção do segredo de justiça no artigo 20.º (e não, por exemplo, no artigo 32.º) justifica‑se por não ser apenas no âmbito do processo penal que ele vigora, valendo também noutros processos que reclamem a tutela da reserva da intimidade da vida privada e familiar ( v. g. , em ações de investigação de paterni- dade), como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra, 2005, pp. 204‑205), o que, de qualquer forma, não pode fazer esquecer a peculiar relevância que ele assume em processo criminal, tendo em vista “a proteção da eficácia da investigação e da honra do arguido” (autores e local citados). Trata‑se “de uma nova garantia institucional e não de um novo direito fundamental, sem prejuízo da sua dupla justificação, subjetiva e objetiva” (Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000, p. 102). “Ao constitucionalizar o segredo de justiça, a Constituição ergue‑o à categoria de bem constitucional, o qual poderá justificar o balanceamento com outros bens ou direitos ou, até, a restrição dos mesmos (investigações jornalísticas de crimes, publicidade do processo, direito ao conhecimento do processo por parte de interessados), mas não deve servir para contradizer o exercício dos direitos de defesa (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/97)” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 2007, p. 414). Como sublinha Nuno Piçarra ( O Inquérito Parlamentar e os seus Modelos Constitucionais , Coimbra, 2004, p. 689), a elevação do segredo de justiça “à categoria de bem constitucionalmente protegido acarreta, por um lado, uma limitação da margem de livre conformação do legislador ordinário, que deixa de poder suprimir tal segredo e fica vinculado a dar‑lhe um mínimo de efetividade/operatividade. Por outro lado, os potenciais conflitos do segredo de justiça com outros bens constitucionais dever‑se‑ão resolver, não sacrificando o primeiro aos últimos, mas obtendo a máxima harmonização prática possível entre eles”.

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