TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

851 acórdão n.º 689/19 Apesar de caber ao legislador concretizar o âmbito e os limites do segredo de justiça, resulta, porém, do n.º 3 do artigo 20.º da CRP, que o há‑de fazer “através de uma ponderação (…) dos vários direitos e interesses dignos de tutela e, potencialmente, conflituantes”, ponderação essa “sujeita ao controlo da constitucionalidade” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra e tomo citados, p. 205).» 22. Existe, assim, a consagração constitucional, no artigo 20.º, n.º 3, do segredo de justiça como um bem constitucional protegido de forma objetiva que pode justificar ou mesmo impor a limitação do acesso do arguido a elementos constantes do processo – mesmo no contexto do direito ao contraditório também ele constitucionalmente protegido, à luz das garantias constitucionais do arguido, em momento prévio à decisão que reconhece a excecional complexidade ao processo. De facto, a satisfação do contraditório nos termos pretendidos pelo recorrente, com o acesso irrestrito a todos os elementos que integram os autos surgidos posteriormente à aplicação da medida coativa de prisão preventiva – que possam ter servido de fundamento à pretensão do Ministério Público – apenas poderá ser alcançada mediante o sacrifício daquele segredo e, reflexamente do sacrifício dos interesses – igualmente protegidos pela Constituição – na realização da justiça e na descoberta da verdade material, no restabelecimento da paz social e jurídica, na promoção do combate à atividade criminosa e, bem assim, na proteção da segurança dos cidadãos. Ora, debruçando-se sobre uma dimensão normativa que, em prol do respeito do contraditório, sacrifi- cava totalmente o âmbito do segredo de justiça no inquérito criminal, o já referido Acórdão n.º 428/08, da 2.ª Secção, decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes do encer- ramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido concluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal». É a esta luz que o juízo de constitucionalidade da solução normativa em apreciação no presente processo deve ser feito, começando por aferir se existe uma restrição do direito de contraditório, para depois, caso esta se confirme, verificar a sua conformidade constitucional. Note-se que não está em causa, neste processo, a apreciação genérica da constitucionalidade do novo regime da publicidade saído da revisão do CPP em 2007, em que a regra passa a ser a publicidade do processo mesmo na fase de inquérito (artigo 86.º, n.º 1, do CPP), podendo, no entanto, essa regra ser afastada pelo juiz de instrução (artigo 86.º, n.º 2) ou pelo Ministério Público com a concordância do juiz de instrução (artigo 86.º, n.º 3). Na verdade, a norma sub judicio foi aplicada no quadro de um processo sujeito a segredo de justiça, pelo que o referido regime de publicidade se encontra, por isso, fora do objeto do presente pro- cesso. 23. Para decidir a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso impõe-se começar por determinar se existe uma real compressão do direito ao contraditório. Aqui releva desde logo a consideração de que o exercício do contraditório em questão recai sobre a pretensão do Ministério Público de ver reconhecida a excecional complexidade do processo e, como reflexo daquela decisão, poderem ser elevados os prazos da prisão preventiva, e não sobre a adequação dessa medida coativa ou sobre os seus pressupostos. Neste âmbito, os pressupostos da prisão preventiva aplicada ao recor- rente foram já, anteriormente, apreciados pelo tribunal (devendo ser reexaminados trimestralmente), tendo o arguido nessas ocasiões oportunidade de se pronunciar sobre a adequação da manutenção da sua prisão, com recurso aos necessários elementos constantes dos autos. Assim sendo, a jurisprudência do Tribunal sobre o acesso aos elementos probatórios que foram determi- nantes para a imputação dos factos, para a ordem de detenção e para a proposta de aplicação da medida de

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