TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

852 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL coação de prisão preventiva, nomeadamente o Acórdão n.º 416/03, da 2.ª Secção, ou o Acórdão n.º 121/97, da 1.ª Secção, bem como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aí citada, não são aplicáveis ao caso presente. 24. A questão a apreciar em sede do disposto no artigo 215.º, n. os 3 e 4, do CPP, incide sobre o grau de complexidade da investigação conducente à descoberta da verdade material dos factos. Assim, e apesar de implicar inegáveis consequências na duração da privação da liberdade do arguido, o certo é que a decisão sobre a excecional complexidade recai sobre uma medida estritamente processual cujos pressupostos não se jogam no conteúdo material dos atos processuais constantes do inquérito. Ela assenta antes na demonstração de elementos objetivos e racionais que decorrem da lei e que permitam afirmar que determinado processo é “complexo”. Em primeiro lugar os crimes em investigação têm de caber no elenco constante do n.º 2 do artigo 215.º do CPP. Depois, a lei enumera como elementos relevantes, neste contexto, o número de argui- dos ou de ofendidos, bem como o caráter altamente organizado do crime. Em suma, a informação necessária para aquilatar da “excecional complexidade” do processo respeita ao número de arguidos, ao número e natureza dos crimes sob investigação, à quantidade e qualidade das diligências probatórias realizadas e, espe- cialmente, às que ainda se encontram por efetuar.  O exercício efetivo do contraditório que precede a decisão encontra-se, assim, acautelado face ao conhe- cimento pela defesa dos elementos dos autos que permitam verificar se existe, materialmente, a situação cautelar que corresponde àquela, cujo recorte é feito pelo legislador como justificando a concreta eleva- ção dos prazos máximos da prisão preventiva. Os elementos relevantes para o exercício do contraditório, neste contexto, são evidenciados no requerimento apresentado pelo Ministério Público, não dependendo do conhecimento da matéria probatória recolhida nesta fase processual. Estes dados permitem ao arguido contestar, fundamentada e esclarecidamente, perante o juiz de instrução criminal a pretensão da declaração de excecional complexidade do processo, manifestada pelo Ministério Público. O mesmo se diga no que respeita à possibilidade de impugnação da decisão em sede de recurso. Em ambos os casos, os dados dis- ponibilizados à defesa, referentes aos elementos legalmente determinados para justificar a declaração, dão ao arguido oportunidade de influenciar, em seu benefício, a tomada de decisão que lhe respeita, através da possibilidade de esgrimir, em tempo oportuno, argumentos juridicamente sustentados, dirigidos a convencer a instância decisória do fundamento de medidas favoráveis ou da falha de razão de medidas desfavoráveis. É a verificação daqueles elementos que permite acautelar, de modo proporcionado, a satisfação dos interesses da realização efetiva da justiça penal com a menor afetação possível do direito fundamental da liberdade do arguido e das suas garantias processuais constitucionalmente estabelecidas. Por conseguinte, no que respeita a esta declaração, o direito do arguido ao contraditório não resulta substancialmente afetado pela limitação ao acesso irrestrito aos elementos probatórios adquiridos para o processo. Pelo contrário, a satisfação da pretensão do recorrente de acesso irrestrito ao conteúdo dos autos poderia comprometer, em absoluto, o interesse público e comunitário na preservação do segredo de justiça, amea- çando, desse jeito, os fundamentos dos procedimentos de investigação criminal e arriscando, para além do mais, comprometer, definitivamente, a descoberta da verdade material, uma vez que tornaria pública a estra- tégia processual do Ministério Público, revelando quais as diligências probatórias já realizadas e quais aquelas que ainda se encontram em curso e, fornecendo, enfim, ao arguido, o conhecimento de pistas investigatórias cuja realização se torna, assim, suscetível de vir a ser prejudicada, comprometendo a descoberta da verdade material e, com ela, a realização da justiça. Não estando em causa o acesso do arguido a elementos constantes do processo que sejam necessários para a adequada defesa dos seus direitos, designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de coa- ção, não estamos diante de situações em que exista uma compressão constitucionalmente censurável do direito ao contraditório. Só nestes casos e com estes limites, a jurisprudência deste Tribunal tem considerado que ao arguido não pode ser oposto o segredo de justiça, mesmo durante o decurso normal do prazo do inquérito [o que obteve consagração nos n. os 1 e 2 do artigo 89.º e no n.º 4, alínea d) , do artigo 141.º do CPP].

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