TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

856 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como a garantia da sua exigibilidade durante o decurso do processo de insolvência; a única especifici- dade respeitante aos créditos tributários reclamados no processo de insolvência é a de que os mesmos se encontram excluídos da exoneração do passivo restante. IV - Em face do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não subsistem dúvidas de que a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República compreende o regime legal da prescrição das dívidas tributárias, incluindo as causas de suspensão e de interrupção dos prazos respetivos; trata-se de matéria sobre a qual o Governo apenas pode dispor se prévia e devidamente autorizado por lei parlamentar; na parte referente às consequências para o Estado da declaração de insolvência, é inegável que não decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 39/2003 a con- cessão ao Governo de qualquer autorização para legislar em matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais. V - Interpretado no sentido de que declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário não insolvente, o artigo 100.º do CIRE enferma de incons- titucionalidade orgânica, na medida em que, dispondo sobre matéria de reserva relativa da Assembleia da Republica nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, a sua edição não se encontra abrangida pela autorização concedida pela Lei n.º 39/2003; a questão que a partir daqui se coloca é a de saber se tal conclusão é igualmente válida para a variante normativa do artigo 100.º do CIRE sindicada nos presentes autos, isto é, se a autorização concedida ao Governo para a aprovação o Código da Insol- vência e Recuperação de Empresas, com o sentido e alcance que constam da referida Lei, contempla ou não a possibilidade de edição de uma norma que torne oponível ao responsável tributário insolvente a suspensão da prescrição tributária por efeito da sentença que declara a insolvência. VI - No n.º 2 do seu artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 habilitou o Governo a regular um processo de execução universal, tendo como finalidade a tomada das decisões de recuperação da empresa ou, não sendo esse o caso, a liquidação do património do devedor insolvente, seguida da repartição do produto obtido pelos respetivos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência; na auto- rização concedida ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal” com tal finalidade não pode deixar de ir implicada a faculdade de dispor sobre todas as matérias necessárias à definição da totalidade dos créditos do insolvente, incluindo os termos e pressupostos da respetiva exigibilidade. VII - Tanto o vencimento imediato de todas as dívidas do insolvente em consequência da declaração de insolvência, como a suspensão do respetivo prazo prescricional, como ainda a sustação de quaisquer outras ações executivas e o impedimento à propositura de novas ações contra o sujeito declarado insol- vente, constituem os mais relevantes aspetos do regime no CIRE em que se consubstancia o carácter universal da ação falimentar; a solução constante do artigo 100.º do CIRE só pode ser racionalmente compreendida à luz da teleologia própria do processo de insolvência: considerado o carácter universal deste último, tal solução «visa um “congelamento da massa”, gerando uma “paralisação que a ordem jurídica impõe às vicissitudes jurídicas em curso”». VIII - Tratando-se de um efeito produzido no âmbito do processo de insolvência, tanto necessário como instrumental da possibilidade de obterem aí o pagamento devido todos os credores do insolvente, na proporção e de acordo com a graduação que lhes corresponda, a suspensão prescricional das dívidas – de todas as dívidas – do devedor insolvente por efeito da declaração da insolvência liga-se, assim, à natureza de processo de execução universal que, através da Lei n.º 39/2003, o Governo foi autorizado

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