TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

864 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. O busílis da questão está, então, em apurar se a matéria da prescrição de dívidas/créditos tributárias(os) é matéria de reserva formal de lei da Assembleia da República e, na afirmativa, se a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto continha a autorização necessária dada por aquele órgão para que o Governo legislasse sobre tal matéria, indo o entendimento daquele Douto Tribunal em sentido negativo. Prosseguindo: I. Da prescrição como garantia dos contribuintes e matéria de reserva formal de lei da Assembleia da República: 5. Parece hoje pacífico, em todos os quadrantes do jurídico, que o instituto da prescrição das dívidas tributárias integra o leque de garantias dos contribuintes. 6. Figura originária do direito civil, invocam-se para a sua essência razões relacionadas com um presumível desinteresse do credor na efetivação do seu direito, através de um certo decurso prolongado de tempo sem que o mesmo manifeste ou exteriorize, designadamente através do exercício do direito de ação, a sua intenção na satisfa- ção do mesmo (neste sentido, Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ n. os 105 a 107. 7. No campo do direito tributário, a prescrição serve essencialmente interesses ligados à tutela da segurança jurídica dos contribuintes, impedindo que o Estado possa, ad eternum, proceder à cobrança coerciva de dívidas tributárias (neste sentido, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal , Almedina, 2011, pág. 372). 8. Estando os créditos tributários sujeitos ao instituto da prescrição, é assim o decurso do tempo usado como travão às ações executivas destinadas à cobrança de tais quanta, criando na esfera dos contribuintes a garantia e certeza de que, ultrapassado tal prazo, encontram-se os mesmos abrigados dos intentos arrecadatórios da adminis- tração, a qual, até então, independentemente dos motivos, não logrou cobrar tais créditos. 9. Note-se, que não implica a prescrição a extinção tout court do crédito. Converte-se é a obrigação do con- tribuinte em mera obrigação natural, assim vedando à administração o direito de exigir o respetivo pagamento e impedindo que esta use o manancial de instrumentos de cobrança que tem aos seu dispor (neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10.01.2008, Proc. 01489/07.2BEPRT, relator: Moisés Rodrigues). 10. Não tendo, assim, um âmbito aplicativo e justificativo tão lato quanto em direito civil; em todo o caso a certeza, segurança e estabilidade das relações jurídicas revelam-se razões preponderantes no domínio e propósito de prescrição dos créditos tributários. 11. Conforme resumidamente explanado, a prescrição das dívidas tributárias, pela natureza e fim do instituto, não pode ter outra categorização que não a de constituir, efetivamente, uma garantia dos contribuintes. 12. Conforme ensinam Serena Cabrita Neto e Cláudia Reis Duarte (entre vastíssimos outros autores): [A prescrição das obrigações fiscais constitui] “uma das mais relevantes garantias vigentes no ordenamento jurídico tributário, consagrada a favor dos contribuintes” (O regime da contagem da prescrição no direito tribu- tário – certeza e segurança jurídicas, in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches , Vol. V, Coimbra Editora, 2011, pág. 417) 13. Ainda que de forma relativamente encapotada, deflui inclusive este entendimento do disposto no artigo 8.º, n.º 2, al. a) da LGT, entendendo aí o legislador que a prescrição e a caducidade encontram-se no âmbito material e formal da reserva de lei. 14. Pelo menos desde 2002 até agora, é justa e ininterruptamente este o entendimento deste Colendo Tribunal Constitucional, ou seja, sufragando que a prescrição integra o leque de garantias dos contribuintes (neste sentido, entre outros, Acórdão n.º 168/02, Acórdão n.º 280/10, Acórdão n.º 362/15, Acórdão n.º 270/17 e Acórdão n.º 557/18, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . 15. Aqui chegados, dispõe o artigo 103.º, n.º 2 da CRP que “ Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes ” (ênfase nosso). 16. Conforme ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira: “Igualmente importante é que tal matéria faz parte da competência relativamente reservada da AR, pelo que a lei a que se refere o n.º 2 é em princípio uma lei da AR, só podendo tratar-se de decreto-lei quando

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