TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

865 acórdão n.º 709/19 houver uma autorização legislativa concedida ao Governo (artigo 165.º, n.º 1 e 2). A reserva de lei em matéria fiscal não é somente uma questão de forma legislativa, mas principalmente de competência política, devendo ser reservada para as assembleias representativas ( no taxation without representation ). […] Deve entender-se, contudo, que naquela expressão estão abrangidos todos os elementos referidos no n.º 2, desde logo porque se trata de elementos essenciais à própria definição do imposto e, depois, porque é esta interpretação que está de acordo com o sentido histórico da reserva parlamentar da lei fiscal, que arranca ori- ginariamente da ideia da autotributação, isto é, de a imposição fiscal só poder ser determinada pelos próprios cidadãos através dos seus representantes no parlamento.” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Coim- bra Editora, 4.ª edição, Vol. I, 2007, pág. 1091 e 1092). 17. Soma-se ao disposto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP o que dimana do ínsito no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, ou seja, que a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas é da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, salvo mediante prévia autorização ao Governo para o efeito. 18. Se assim é, a disciplina das causas de suspensão e interrupção da prescrição tributária – tratado no artigo 100.º do CIRE – é inerentemente abrangida pelos aludidos comandos constitucionais, estando a eles mesmos sujeito. 19. Por outras palavras, não é só a alteração, criação e revogação das garantias dos contribuintes que constitui matéria de reserva formal da A.R., mas também toda a respetiva disciplina, regulamentação e aplicação procedi- mental e processual. 20. Portanto, se o artigo 100.º do CIRE derroga o regime geral de contagem e verificação do prazo de pres- crição, nomeadamente prevendo um evento que suspende o respetivo decurso do tempo, impedindo, por tal via, a atuação daquela garantia dos contribuintes, não deixa de estar tal comando sujeito, especificamente, à disciplina legislativa da reserva formal da A.R. 21. Inclusive, já decidiu este Colendo Tribunal que a disciplina das causas de suspensão e interrupção é ine- rente à regulação da prescrição tributária, estando, portanto, sujeita aos mesmos pressupostos legislativos (Acórdão n.º 280/10, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . 22. Concluindo-se então, quanto a este ponto, até por ensinamentos retirados de precedentes ensinamentos deste Colendo Tribunal e, bem assim, da doutrina mais autorizada, que a prescrição, porque integrante do leque de garantias dos contribuintes, encontra-se sujeita a matéria no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, necessitando o Governo de uma Lei de autorização legislativa em conformidade para poder legislar sobre tal matéria. Posto isto: I. Da inconstitucionalidade orgânica do artigo 100.º do CIRe: 23. Dispõe o artigo 100.º do CIRE que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.” 24. A regra consagrada neste preceito visa estabilizar o leque de créditos imputados ao devedor, cristalizando a sua exigibilidade com referência ao momento da declaração de insolvência. 25. Bulindo a norma em crise, na interpretação sub iudice , com aquilo que pacificamente se entende com uma garantia do contribuinte, resta apurar se a Lei n.º 39/2003 conferia a necessária autorização ao Governo, nos ter- mos do artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP para que legislasse sobre tal matéria. 26. Este colendo Tribunal tem entendido em sentido negativo, ou seja, que a identificada Lei de Autorização Legislativa é despida, quer na sua letra, quer na sua ratio e teleologia, de conteúdo e alcance que permitissem ao governo modificar o sistema de garantias dos particulares, in casu , e conforme já profusamente referido, a prescri- ção das dívidas tributárias.

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