TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

872 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pelo Governo, da competência da Assembleia da República em matéria de legalidade fiscal [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição], e não nas demais vertentes normativas daquela disposição». A deliberada exclusão de outras vertentes normativas do artigo 100.º do CIRE, em particular daquela que está em causa no âmbito dos presentes autos, foi, de resto, expressamente assumida no trecho do mencio- nado acórdão dedicado à analise dos argumentos invocados em favor da suficiência da autorização legislativa contida na Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, para a edição da solução contida no referido preceito legal. Segundo ali se escreveu, «[i]ndependentemente da bondade d[e] [tal] argumentação no tocante às dívidas exigidas ao devedor insolvente no âmbito do processo de insolvência, o raciocínio não colhe quando em causa está a interpretação normativa que aplica a suspensão prescricional, no processo tributário, ao respon- sável subsidiário do devedor principal insolvente». Autonomizando claramente a situação processual do devedor subsidiário revertido relativamente à posi- ção do devedor principal insolvente (sujeito passivo direto), o Tribunal concluiu, no referido aresto, que «a tese segundo a qual a autorização para atuar no domínio do direito falimentar», conferida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, «implica o poder de legislar sobre a prescrição de todas as dívidas do insolvente (e, por isso, também tributárias) não tem fundamento quando», como se verificava no caso, «o responsável tributário não é o insolvente e está fora do processo de insolvência». Ora, conforme assinalado já, a interpretação do artigo 100.º do CIRE cuja aplicação foi efetivamente recusada pelo Tribunal recorrido assenta justamente no pressuposto inverso: ao invés do que sucede na hipó- tese apreciada no Acórdão n.º 557/18, a norma em causa nos presentes autos leva em consideração o facto de o responsável tributário revertido coincidir com o próprio devedor insolvente, encontrando-se, por isso, dentro do processo de insolvência. Saber se, designadamente em face da reserva de competência da Assembleia da República em matéria fiscal [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição], a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, constitui base suficiente para conferir ao Governo legitimidade para a edição da referida norma é o que se procurará deter- minar nos pontos seguintes. 10. Para responder a esta questão há um enquadramento geral a que é conveniente proceder-se. Segundo decorre do artigo 1.º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como finalidade a satisfação de todos os credores do devedor insolvente, pela forma prevista num plano de insolvência ou através da liquidação do património do devedor e repartição do respetivo produto obtido pelos credores. Em consequência do carácter universal do processo de insolvência, impende sobre todos os credores do insolvente, independentemente da natureza e fundamento do respetivo crédito, o ónus de o reclamarem naquele processo, o que vale também para a Administração Tributária (artigo 180.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, doravante designado pela sigla CPPT). Declarada a insolvência, é neste processo que todos os credores do insolvente, incluindo aqueles que hajam instaurado já ações com vista ao reconhecimento dos seus créditos ou execuções que visem cobrá-los coercivamente, terão de reclamar os seus créditos, a fim de nesse processo serem reconhecidos, graduados e pagos a final, no todo ou em parte, através do produto da liquidação do património do devedor. O caráter universal ou coletivo do processo de insolvência funda-se não apenas na intervenção de todos os credores do insolvente, mas ainda no facto de nela se atingir, em princípio, todo o património deste devedor. Uma vez que todo o património do devedor responde pelas suas dívidas, procura-se acautelar desta forma uma eventual insuficiência de meios para satisfação da totalidade dos créditos, assegurando-se ao mesmo tempo que o produto da liquidação será repartido por todos os credores de modo proporcional e segundo a graduação respetiva (cfr. artigos 47.º e 173.º e seguintes do CIRE) de acordo com o princípio par conditio creditorum . Assim se percebe que, para além dos efeitos que produz em ações de outra natureza, a declaração de insolvência paralise todas as ações executivas pendentes contra o devedor insolvente (artigo 86.º do CIRE), incluindo as de natureza fiscal (artigo 180.º, n.º 1, do CPPT), ainda que sem prejuízo do seu prosseguimento contra outros eventuais executados (artigo 88.º do CIRE).

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