TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

873 acórdão n.º 709/19 Na medida em que lhe está associado um vasto conjunto de efeitos de natureza diversa, a sentença de declaração de insolvência assume uma importância crucial na definição do estatuto jurídico do devedor. A par dos efeitos de natureza pessoal – isto é, daqueles que incidem sobre a pessoa do insolvente –, a declaração de insolvência produz um conjunto de efeitos patrimoniais de vária ordem (cfr. Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 1.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 107), entre os quais se destaca a estabilização do passivo, com o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (artigo 91.º, n.º 1, do CIRE), bem como a garantia da sua exigibilidade durante o decurso do processo de insolvência. A solução constante do artigo 100.º do CIRE visou, precisamente, assegurar este último efeito. Como referem Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado,  2013, p. 288, o escopo do regime constante do referido preceito é «uniformizar a situação dos credores no decurso do processo de insolvência. Na verdade, se não houvesse suspensão, alguns credores veriam os seus direitos postos em causa, por não poderem exercê-los senão no quadro do processo de insolvência». Tal regime aplica-se, por isso, a todos os créditos que devam ser reclamados no processo de insolvência, e, consequentemente, também aos créditos de natureza tributária pelos quais responda, originá- ria ou subsidiariamente, o devedor insolvente. A única especificidade respeitante aos créditos tributários reclamados no processo de insolvência é a de que os mesmos se encontram excluídos da exoneração do passivo restante [artigo 245.º, n.º 2, alínea d) , do CIRE]. Isto é, mesmo na hipótese de, decorrido o prazo de cinco anos sobre a prolação do despacho inicial a que alude o artigo 239.º do CIRE, o juiz vir a conceder a exoneração do passivo restante do devedor nos ter- mos previstos no artigo 244.º do referido Código, tal exoneração, na medida em que não é extensível aos cré- ditos tributários, nunca poderá determinar a respetiva extinção na parte em que ainda subsistam na data em que aquela é concedida. Daí que, cessada a sustação, se o insolvente vier a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal possa prosseguir para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo do que se dispõe sobre a prescrição das dívidas tributárias (artigo 180.º, n.º 5, do CPPT). 11. Em face do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não subsistem dúvidas de que a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República compreende o regime legal da prescrição das dívidas tributárias, incluindo as causas de suspensão e de interrupção dos prazos respetivos. Trata-se, portanto, de matéria sobre a qual o Governo apenas pode dispor se prévia e devidamente autorizado por lei parlamentar. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 557/18: «[…] constituindo a prescrição das dívidas tributárias uma proteção dos sujeitos passivos para com a Admi- nistração fiscal, protegendo-os contra pretensões de cobrança de impostos, está a sua disciplina inelutavelmente abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República (reserva de lei formal), com natural relevância para as suas causas de suspensão: “Deste modo, elementos como a fixação do prazo, a definição do dies a quo em função do tipo de imposto periódico ou de obrigação única, a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão, a relevância ou irrelevância da citação para quaisquer destes efeitos têm de constar de lei com tal valor” (Benjamim Silva Rodrigues cit. , p. 266). A integração da prescrição tributária na reserva de lei formal tem respaldo jurisprudencial, quer na jurisdição infraconstitucional (cfr., entre muitos, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2009, Processo n.º 629/2009), quer na jurisprudência do Tribunal Constitucional: “Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspon- dente prestação, e incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes” (Acórdão n.º 280/10).

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