TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

874 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Aliás, foi esta argumentação que levou o Tribunal Constitucional a considerar também inclusa nas garantias dos contribuintes (e, por isso, na reserva de lei formal) o instituto da caducidade da liquidação dos impostos, uma vez que se trata de figura que faz nascer o direito de o contribuinte recusar o tributo que lhe venha a ser exigido, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – cfr. o Acórdão n.º 168/02». Enquanto garantia dos contribuintes, o regime da prescrição das dívidas tributárias integra, assim, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, o que significa que o Governo apenas pode dispor sobre tal matéria – estabelecendo, designadamente, causas suspensivas ou interruptivas do prazo de prescrição –, se devidamente autorizado para esse efeito. Assim sendo, o que importa determinar aqui é se o Governo carecia de uma outra autorização, porven- tura mais específica do que a concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, para aprovar a norma, extraída do artigo 100.º do mesmo Código, que torna oponível ao responsável tributário a suspensão do prazo pres- cricional das dívidas fiscais por efeito da declaração da sua insolvência. 12. No artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 dispõe o seguinte: «Artigo 1.º Objeto 1 – Fica o Governo autorizado a aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. 2 – O Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente. 3 – No Código da Insolvência e Recuperação de Empresas fica o Governo autorizado a legislar sobre as seguin- tes matérias: a) As consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado e a capacidade do insol- vente ou seus administradores; […] 5 – O sentido e a extensão das alterações a introduzir resultam dos artigos subsequentes». Conforme notado no Acórdão n.º 557/18 – e já antes sublinhado nos Acórdãos n. os  362/15 e 270/17 –, é inegável que, na parte referente às consequências para o Estado da declaração de insolvência, não decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 39/2003 a concessão ao Governo de qualquer autorização para legislar em matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais. Assim, estando em causa a oponibilidade da suspensão prescricional prevista no artigo 100.º do CIRE ao responsável subsidiário do devedor principal insolvente, a conclusão não pode ser outra se não aquela que foi alcançada nos mencionados arestos: interpretado no sentido de que declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário não insolvente, o artigo 100.º do CIRE enferma de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que, dispondo sobre matéria de reserva relativa da Assembleia da Republica nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, a sua edição não se encontra abrangida pela autorização concedida pela Lei n.º 39/2003. A questão que a partir daqui se coloca é a de saber se tal conclusão é igualmente válida para a variante normativa do artigo 100.º do CIRE sindicada nos presentes autos. Isto é, se a autorização concedida ao Governo para a aprovação o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, com o sentido e alcance que constam da referida Lei, contempla ou não a possibilidade de edição de uma norma que torne oponível ao responsável tributário insolvente a suspensão da prescrição tributária por efeito da sentença que declara a insolvência.

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